DIVERSIDADE

"A produção de materiais didático-pedagógicos busca também a construção de uma sociedade mais justa e igualitária"

Pesquisadora do Gese, professora Joanalira Magalhães fala sobre importância da representatividade no ambiente acadêmico

Foto: Arquivo Pessoal

Doutora e mestre em Educação em Ciências e graduada em Ciências Biológicas- Licenciatura e Bacharelado, com pós-doutorado em Educação, a professora e pesquisadora Joanalira Magalhães é a atual vice-líder do Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (Gese).

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Dentro do coletivo da FURG, ela coordena a linha de pesquisa “Gênero e ciência nos espaços educativos”, que busca investigar a feminização e a masculinização no campo da ciência, evidenciando as relações sociais e de gênero em suas interfaces com outros marcadores sociais, tais como geração, classe e etnia-raça.

Nesta entrevista, a professora Joanalira conta sobre sua trajetória junto ao Gese e a importância cada vez maior da representatividade no ambiente acadêmico e também fora dele.

O seu trabalho junto ao Gese é voltado à diversidade dentro dos grupos de pesquisa e da extensão. De que maneira isso ajuda a derrubar o muro existente entre a academia e a sociedade?

Tenho atuado junto ao grupo de pesquisa desde minha graduação, desenvolvendo ações e pesquisas. Assim, minha atuação como pesquisadora extensionista trata-se de uma atuação no e com o Gese, tendo em vista que o grupo visa sempre a produção de um trabalho coletivo e colaborativo. Sendo assim, minhas orientações e produções são impulsionadas nesse coletivo.

As ações promovidas pelo Gese visam a promoção de uma educação para a sexualidade em diferentes espaços sociais – escola, universidade, nas mídias – o combate ao sexismo, ao racismo, à misoginia, LGBTQIfobia, entre outras manifestações de preconceito e discriminação. Como exemplo dessas ações, citamos o Projeto de Extensão Escola Promotora da Igualdade de Gênero, destinado à formação continuada de professores/as que atuam nas redes básicas de ensino – municipal e estadual – do Rio Grande e a oferta semestral da disciplina “Gêneros e Sexualidades nos espaços educativos” para todos os cursos de graduação da nossa universidade.

Além disso, desenvolvemos e constituímos o Grupo Transformando Vidas. Esse grupo tem como objetivo tecer uma rede de apoio a pessoas trans, no sentido de estabelecer relações entre diferentes profissionais que poderiam contribuir com aspectos relacionados a saúde, educação, direitos, acesso à cidadania e a demais questões que permeiam a vida de sujeitos que possuem algumas demandas específicas em razão de sua identidade de gênero. Para além disso, o grupo possibilita que pessoas trans, em sua maioria estudantes da universidade de diferentes faixas etárias, cursos e em diferentes momentos acadêmicos, bem como estudantes do ensino básico, além de pessoas trans que estivessem fora dos bancos escolares, estejam interligados/as e possam compartilhar experiências e descobertas entre si, servindo de apoio e suporte um para o outro. Dentre as atividades também realizamos discussões teóricas sobre identidade de gênero, questões trans, marcadores corporais, entre outras. O grupo se reúne uma vez por mês.

Através do grupo Transformando Vidas e dos debates realizados nos encontros, surgiu o desejo de também dialogar, bem como acolher as famílias dos sujeitos LGBTQI+. Assim, criamos o Projeto Famílias e Diferenças, a fim de debatermos sobre essas temáticas com famílias de pessoas LGBTQI+.

Na formação inicial, compartilhamos com os/as estudantes da graduação as discussões produzidas em nossas ações de pesquisa e extensão, acerca das temáticas relacionadas aos sujeitos LGBTQIA+, por meio da disciplina “Gêneros e Sexualidades nos espaços educativos”, na qual atuo como professora. Essa disciplina é ofertada a cada semestre, como optativa ou atividade complementar, para todos os cursos de graduação da FURG.

Essas ações citadas são apenas alguns exemplos de espaços/tempos para o debate dessas questões com a comunidade - debate esse que tem como premissa a escuta respeitosa e acolhedora, o diálogo plural e a constituição de redes para que questões como o combate à LGBTfobia, ao preconceito e violência seja debatido de forma ampla.

O registro dos resultados das pesquisas, dos projetos de extensão e trabalhos realizados ocorre pela produção e publicação de artigos, palestras, trabalhos em eventos nacionais e internacionais, capítulos de livro e livros organizados, os quais colaboraram para a produção de conhecimentos sobre as temáticas em questão e a consolidação efetiva do grupo de pesquisa, viabilizando assim o intercâmbio científico, acenando para a possibilidade de ampliação dessa experiência de investigação e de inserção em outros contextos educativos nacionais e internacionais.

Nossa atuação na formação inicial e continuada de profissionais da educação do município do Rio Grande e a produção de materiais didático-pedagógicos constitui-se como ações que buscam a construção de uma sociedade que promova a equidade de gênero e sexual, e que seja mais justa e igualitária. Além disso, a promoção desses debates, junto à comunidade, que visam a construção de uma sociedade mais plural, possibilitam também o rompimento de alguns binarismos, tais como: homem/mulher, heterossexual/homossexual, normal/anormal, certo/errado, natureza/cultura, entre tantos outros que poderíamos enumerar. Consideramos que desconstruir e desestabilizar esses binarismos é uma possibilidade de abrir "brechas" para a emergência de outras maneiras de entender e pensar a respeito de mulheres, homens, crianças, gays, travestis, pessoas trans, pessoas não binárias, seus corpos, seus gêneros e suas sexualidades. Além disso, as discussões promovidas ao longo das ações empreendidas pelo Gese possibilitaram ampliar o entendimento de que somos educados/as/es não só na escola, mas nos diversos espaços educativos.

Estudantes transexuais representam apenas 0,1% do total dos alunos de universidades federais no Brasil, segundo levantamento realizado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Como é o panorama atual na FURG?

Devido à pandemia, não temos um panorama atual. Contudo, cabe destacar que a FURG se constitui como uma universidade plural, que olha com atenção para pautas relacionadas às pessoas trans.

No Guia Acadêmico de nossa universidade as/os estudantes têm orientações de como proceder para a solicitação da utilização do nome social nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da FURG.

A importância do uso do nome social foi discutida na dissertação de mestrado, da qual fui orientadora, produzida por Luis Felipe Hatje e intitulada "TRANS (FORMAR) O NOME: a constituição dos sujeitos transgêneros a partir do nome". Nessa pesquisa, discutimos a produção da subjetividade de quatro sujeitos transgêneros da cidade do Rio Grande/RS que solicitaram a mudança em seu nome civil no judiciário a fim de perceber os atravessamentos sociais, políticos, culturais que os impulsionaram para lutar por esse direito, bem como discutir alguns efeitos produzidos na vida de sujeitos trans após a decisão judicial que alterou seus nome e gênero nos documentos oficiais.

Hoje também contamos com as ações promovidas pela Coordenação de Ações Afirmativas, Inclusão e Diversidades – Caid, que está discutindo cotas trans na FURG. O estudante da FURG Johnny Harumi, que integra o Grupo Transformando Vidas, ao debatermos junto ao Caid a questão das cotas, no ano de 2020, desenvolveu uma pesquisa a fim de verificar o interesse e demanda com relação aos cursos de graduação da FURG.

Ao mesmo tempo em que políticas para promoção de direitos LGBTQIA+ vêm mudando o perfil de universidades públicas no Brasil, como as cotas para pessoas trans, crescem também relatos de mensagens de ódio e desrespeito dentro do ambiente acadêmico. O que a comunidade da FURG pode fazer para reduzir a evasão de estudantes trans, ocasionada quase exclusivamente pelo preconceito, e também ampliar o acesso desse público a espaços de educação?

Apesar da emergência de políticas para promoção dos direitos LGBTQIA+, ainda estamos longe do esperado em termos de pessoas trans, tanto na universidade como nos mais variados espaços educativos. Somente com a ampliação de políticas de acesso e, principalmente, de políticas de permanência dos sujeitos LGBTQIA+ nos espaços acadêmicos, é que poderemos começar a pensar e avançar nas questões relacionadas ao respeito e reconhecimento.

Para além das políticas de cotas para o ingresso de sujeitos LGBTQIA+, algumas universidades também oferecem políticas para a permanência das pessoas trans nas instituições, a exemplo do uso do nome social e da garantia de poderem utilizar o banheiro de acordo com o gênero com o qual cada indivíduo se identifica. Essas são medidas extremamente importantes para que essas pessoas permaneçam, de fato, na universidade.

A pesquisadora Sara York, em sua dissertação intitulada “TIA, VOCÊ É HOMEM? Trans da/na educação: Des(a)fiando e ocupando os "cistemas" de Pós-graduação”, nos faz pensar em como as políticas públicas de cotas, tanto para o acesso como para a permanência, possibilitam que as desigualdades que essas pessoas enfrentam possam ser minimizadas.

A dissertação de mestrado de Yasmin Teixeira Mello, intitulada “Existências, resistências e reconhecimento: tecendo interlocuções com narrativas de pesquisadoras/es trans brasileiras/os”, da qual fui orientadora, problematizou questões relacionadas à trajetória, à visibilidade, à inserção e ao reconhecimento ao tecer interlocuções com narrativas produzidas por quatro pesquisadoras/es trans.

Acreditamos que discutir os processos de inserção, de reconhecimento e de permanência das pessoas trans, possibilita-nos questionar os regimes de verdades postos na sociedade, que são produzidos e reproduzidos sobre essas/es sujeitas/os. Assim, novamente destacamos os espaços de formação enquanto espaços potentes e necessários para a promoção desses debates.

Qual a importância de se comemorar o Dia da Visibilidade Trans?

Essa data se constitui enquanto um momento de visibilidade das pautas, lutas, movimentos e garantia de direitos das pessoas trans. Questões essas que devem, diariamente, ser discutidas e evidenciadas em diferentes esferas e setores sociais – na educação, na saúde, no judiciário, no mercado de trabalho, entre outros – visto que ainda presenciamos/vivenciamos situações de violência e discriminação com as pessoas trans.

Sendo assim, que possamos nessa data ampliar e fortalecer nossas redes de debate e apoio, para assim ressoar vozes, corpos e vivências plurais.

Em alusão a esta data, hoje estamos publicando o Dossiê Temático Corpos em dissidência nos espaços educativos em tempos de discurso de ódio na Revista Diversidade e Educação. Este número da revista tem como entrevistada a pesquisadora Megg Rayara Gomes de Oliveira.

Um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revelou que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo - apenas em 2020, foram 175 mortes mapeadas. Que medidas a sociedade em geral pode adotar para ajudar a diminuir esses números?

O Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola entende a educação enquanto um espaço potente para o debate das questões relacionadas aos corpos, gêneros e sexualidades. No entanto, entende também que a educação não acontece apenas nas instituições formais de ensino (escola e universidade, por exemplo), mas, também, em diferentes espaços como as mídias, instituições religiosas, empresas, entre outros. Assim, essas discussões devem permear não apenas o currículo escolar, mas as práticas diárias, as relações humanas e o fazer cotidiano das pessoas, enaltecendo as diferenças como expressão da multiplicidade de possibilidades que permeiam a constituição dos sujeitos, mobilizando a construção de uma sociedade com equidade, menos violenta e com mais respeito.

Além disso, destaco a necessidade do uso da linguagem neutra a fim de promover um tratamento inclusivo para todas as pessoas. Entendendo que a linguagem produz significados, assim, ao escrevermos também estamos produzindo sentidos, é que pontuo a importância de uma escrita inclusiva.

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Esta entrevista dá início a uma série de materiais que integram o projeto Agenda Social, voltado à divulgação de ações, atividades e projetos da FURG - em seu contexto multicampi - que dialogam com temáticas socioculturais, educativas e ambientais.