INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE

27 de junho: Dia Internacional das pessoas surdocegas

Alex Garcia, primeiro surdocego a se pós-graduar no país, trabalha para dar acesso e informação as pessoas surdocegas e suas famílias

Imagine viver no silêncio e no escuro; imagine viver sem saber ou poder se comunicar; imagine viver sem ter a garantia de acesso aos direitos básicos a que todo o ser humano deveria ter. Infelizmente essa é a vida de muitos brasileiros, essa é a condição de vida da maioria das pessoas acometidas pela surdocegueira.

Notícias Relacionadas
Na tentativa de dar visibilidade a causa, no dia 27 de junho é comemorado o Dia Internacional da Pessoa surdocega. A data foi escolhida em homenagem a Helen Keller (1880-1968), que nasceu nesse dia e foi um grande exemplo de superação, se tornando escritora e ativista social norte-americana e a primeira pessoa surdocega a entrar para o ensino superior.

Conceito e comunicação

A surdocegueira se refere à ausência simultânea da audição e da visão, resultando em uma deficiência singular que ocasiona a privação dos dois sentidos responsáveis pela recepção de informações à distância. Se incluem neste grupo não somente as pessoas que tem perda total destes sentidos, como também aquelas que possuem resíduos visuais e/ou auditivos, que devem ser estimulados para que suas limitações sejam a menor possível.

As pessoas que têm essa deficiência podem ser classificadas de duas formas: pré-linguísticas, quando nascem surdocegas ou as adquirem ainda bebê, antes de aprender uma língua, apresentando graves perdas visuais e auditivas combinadas; e pós-linguísticos, advindos de uma deficiência sensorial, podendo ser auditiva ou visual, adquirida após o aprendizado de uma língua.

Os surdoscegos podem se comunicar de três formas, sendo a principal delas a Língua Brasileira de Sinais (Libras), utilizada pela comunidade surda adaptada às condições específicas da pessoa com surdocegueira.
Além dessa, outras formas de comunicação são utilizadas pelas pessoas com surdocegueira, como: Libras Tátil, Grafestesia (escrita na palma da mão), e Método Tadoma.

Dados

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 23,9% da população brasileira possui algum tipo de deficiência visual, auditiva, motora, mental ou intelectual. As estatísticas não mostram um número oficial sobre surdocegueira, pois se acredita que estes estão inseridos nos dados de pessoas com deficiência visual e com surdez.

Como a pesquisa não considera as pessoas com deficiências múltiplas, tampouco as surdocegas, fica impossibilitada a percepção mais clara de quantos surdocegos existem no Brasil. Com isso, o mapeamento não específico dessa condição dificulta a criação de políticas públicas que garantam o acesso à educação, saúde, lazer e trabalho.
Segundo dados do Censo Escolar de 2021, divulgado em janeiro deste ano, na categoria Educação Especial, o país tem 578 surdocegos matriculados nas escolas brasileiras de ensino regular em diferentes estados.

Na FURG

Embora as políticas públicas voltadas para a surdocegueira sejam de difícil proposição, incluir e garantir o acesso e a permanência de pessoas com deficiências na universidade é um compromisso firmado pela gestão da FURG. Para isso, a instituição conta com o apoio e trabalho da Coordenação de Ações Afirmativas, Inclusão e Diversidade (Caid) e do Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai).

A Caid, instituída em janeiro de 2021, tem o compromisso de promover a consolidação e ampliação das ações afirmativas, de maneira transversal, para todos os segmentos da comunidade universitária. “É preciso dizer que políticas afirmativas são necessárias porque o mundo não é acessível para todes. Tendo isso em mente, a universidade assumiu um compromisso com a sociedade brasileira que é plural e diversa desde 2009 (portanto anterior a maior parte da legislação sobre o tema), atuando, no caso de pessoas com necessidades específicas, em pelo menos três frentes: o acesso à universidade; a permanência na universidade e a formação e assistência ao docente”, afirma a coordenadora Simone Freire.

O acesso à universidade se dá pelo Programa de Ações Afirmativas (Resolução do Conselho Universitário n. 20/2013) que é permanentemente revisto e atualizado. Esse programa se orienta pela concretização dos direitos humanos para todos e se fundamenta num conjunto de legislações que incluem a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão, a Lei de Cotas, entre outras.

Já a permanência na universidade se consolida por um conjunto de ações que envolvem diferentes setores. O Programa de Apoio aos Estudantes com Necessidades Especiais (Paene) - gerenciado pela Coordenação de Acompanhamento e Apoio Pedagógico (Caape) da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) -, se volta a acessibilidade e permanência, procura garantir apoio pedagógico aos estudantes, especialmente com bolsistas de acompanhamento, buscando um processo de aprendizagem qualificado a todos.

Conforme a coordenadora da Caape, Joice Maurel, “Na instituição temos um total de 53 estudantes com deficiência ou necessidades especificas que são acompanhados por 63 bolsistas. Ainda não temos nenhum estudante surdocego no Paene, mas atendemos nove alunos cegos e cinco alunos surdos”. Acontece junto a Prae também a atuação das tradutoras e intérpretes de libras.

O Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai) da FURG trabalha com ações voltadas a permanência de estudantes e também com a formação e qualificação docente, com equipes multidisciplinares em diversas atividades, como a formação de professores, capacitação de monitores, e o apoio tecnológico para material didático , foco na tecnologia assistiva.

Segundo a coordenadora do Neai, Cristiane Fernandes, “a FURG não tem a demanda de atendimento para alunos com Surdocegueira, porém, o núcleo criado em 2005 com intuito de viabilizar a acessibilidade e permanência dos estudantes com deficiência e/ou necessidades educacionais específicas, garante integração à vida acadêmica, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação”. Conheça mais sobre as atividades e laboratórios do Neai acessando documento ao final da matéria.

Entrevista

Para dar visibilidade a pauta, a Secretaria de Comunicação (Secom) da FURG, junto ao projeto da Agenda Social, aborda a data entrevistando o primeiro Surdocego a se pós-graduar, a nível de especialização, no país. O gaúcho Alex Garcia tem 45 anos, é Especialista em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e fundador presidente da Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (Agapasm).

Alex foi a primeira pessoa surdocega, com Hidrocefalia e Doença Rara no Brasil, que se pós-graduou em uma universidade, no entanto não guardou o conhecimento para si. Estruturou trabalho de atendimento domiciliar com as famílias de surdocegos para informações e orientações educacionais, encaminhamentos médicos e sociais. Além da preparação de profissionais para atuação com surdocegos em seus locais de origem, adaptando locais e programas especiais em escolas de ensino regular ou especial.

É autor de três livros – sendo a primeira pessoa surdocega a escrever um livro sobre Educação na América Latina. O livro “Surdocegueira: empírica e científica” disponível para baixar ao final da matéria. Já os títulos “Além de existir devemos ser” e “A Grande Revolução” são comercializados e podem ser solicitados via e-mail: agapasm@agapasm.com.br.  “A venda destes colabora com a manutenção da Agapasm e dos trabalhos. Sou editor pessoa física registrado na Biblioteca Nacional, isso quer dizer que eu mesmo sou a Editora dos meus livros e eu mesmo os comercializo via internet e correios”, conta Alex Garcia.

O pioneirismo de Alex é reconhecido nacional e internacionalmente. Em 2009, foi vencedor do Prêmio Sentidos, concurso nacional promovido pela Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência (Avape) e um dos vencedores, na categoria "Personalidades", do Prêmio Brasil Mais Inclusão 2016; É Rotariano Honorário - Rotary Club de São Luiz Gonzaga (RS). Foi a primeira pessoa surdocega a ser aluno da Mobility International USA (Miusa) em 27 anos de história dessa organização. Foi a primeira pessoa surdocega, no Brasil e América Latina, a ministrar curso de formação de professores com total autonomia. E é colunista da Revista Reação desde o ano de 2009.

Em uma tentativa incansável de dar visibilidade e garantia de direitos da pessoa surdocega, em 2013, Alex foi proponente da Audiência Pública para tratar da inclusão social da pessoa com surdocegueira - Primeira audiência a tratar do tema na história do Brasil.

Confira abaixo as perguntas que fizemos ao Alex, em que o mesmo nos responde em vídeo disponível abaixo.

1.Alex, tu nasceste surdocego, com Hidrocefalia e Osteogeneses Imperfeita. Como a doença afeta teu corpo?
2.Muitos são os obstáculos enfrentados por pessoas surdocegas, como enfrentasse essas dificuldades e te tornasse a primeira pessoa surdocega, com Hidrocefalia e Osteogeneses Imperfeita que se pós-graduou no país?
3.A tecnologia é grande aliada para pessoas surdocegas, porém o acolhimento humano também faz a diferença. Comenta um pouco sobre a relação das pessoas com os surdoscegos e o sentimento de solidão.
4.Que formas e ferramentas a Educação Básica e o Ensino Superior deveriam desenvolver para garantir o acesso de pessoas surdocegas à educação?
5.Tua caminhada é longa, és considerado o pai de uma das mais significativas políticas públicas para surdocegos na história do Rio Grande do Sul. Durante todo esse tempo, quais avanços tivemos na garantia de diretos das pessoas surdocegas e no que ainda precisamos avançar?
6.Nos conta um pouco como foi criada e que serviços presta a Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (Agapasm)?
7.Em 2013 fosse proponente da primeira audiência pública para tratar da inclusão social da pessoa surdocega na Câmara dos Deputados. Na época o MEC firmou compromisso de organizar Grupo de Trabalho para a surdocegueira. Esses grupos de trabalho foram criados? Como está atualmente essa discussão a nível governamental?
8.Através do teu trabalho, tens incentivado e ajudado Pessoas Surdocegas a buscarem por mais autonomia, inserção no mercado de trabalho e na vida em sociedade. Como projetas a visibilidade das pessoas surdocegas no futuro?

Para conhecer mais sobre Alex Garcia e a Surdocegueira informações e vídeos estão disponíveis no Facebook e no canal do Youtube, além da página da Agapasm.

Projeto Agenda Social

A FURG em seu contexto multicampi realiza inúmeras ações, atividades e projetos, que dialogam com diferentes temáticas socioculturais, educativas e ambientais. Assim, com o propósito de visibilizar as produções, bem como celebrar a vida e manifestar os compromissos de luta e resistência, foi criada a Agenda Social da FURG.

O conceito é de dialogar, informar e visibilizar datas que expressam o compromisso social da universidade, assim como criar campanhas que buscam compor uma programação coletiva e plural, sempre que possível em parceria com os municípios de Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, São Lourenço do Sul e Santo Antônio da Patrulha.

Com o intuito de estar presente ao longo de todo o ano na organização de trabalhos e ações da comunidade acadêmica, o projeto lançou um planner e calendários mensal e anual, que estão disponíveis neste link.

Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai)

 

Livro “Surdocegueira: empírica e científica”