Elas na feira - histórias de mulheres: Daniela Delias

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Daniela Delias - 46 anos

Quando acesso as primeiras lembranças, os primeiros passos, como escritora e mulher, vem logo a infância. Trabalho com psicologia, com psicanálise, sou professora do curso de Psicologia da FURG e seguidamente ouço as pessoas. Essa conexão com a história das pessoas, com a sua infância, é muito forte para mim. A minha infância é onde localizo os primeiros passos como mulher e como escritora. O observar no mundo pequenas coisas, ficar fotografando mentalmente uma formiguinha que está passando e carregando uma folha. O meu avô paterno era uma pessoa que prestava muito atenção nessas coisas. Me chamava atenção para a pitangueira, para as frutinhas, para a lagoa. O olhar dele foi me levando para o olhar de mundo que tenho hoje. O ser mulher não se separa dessa fotografia de mundo, da relação com a palavra. Mas eu demorei bastante para colocar isso no papel. Escrevo desde os 13 anos, mas foi perto dos 40 anos que comecei a mostrar. A questão mais íntima sobre ser mulher, onde eu tenho mais voz, é na escrita. Dizer do feminino a partir da palavra, da escrita. O mundo olhado por uma mulher é de uma força incrível.

Eu dou aula na FURG há 10 anos. No ano que passou, comentava com os meus alunos que as aulas antes trabalhadas são completamente diferentes das de hoje. E o feminino perpassa. As questões de gênero atravessam a discussão. Está mais claro que a opressão de gênero sempre aconteceu, o silenciamento da mulher. Mas, agora, está na academia e precisamos discutir, precisamos ajudar as pessoas que estão se formando a trazer isso para as suas discussões. Tem um impacto enorme na psicologia de forma geral. Aceitávamos diversos textos e livros, por exemplo, que se referem a questão de ter um filho a um homem e uma mulher. A mulher, mãe, que é casada e que tem um filho. Hoje, temos mais acesso a outros tipos de configurações familiares. E elas precisam ser consideradas. A questão do feminino e, também, a sexualidade sofreu uma modificação muito intensa nos últimos anos.

“Mas na minha casa tocava música o tempo inteiro”.

Às vezes, as pessoas têm mais acesso a livros na sua infância, a uma certa intelectualidade. Na minha família isso não era tão presente. Os meus pais sempre trabalharam com funções mais técnicas, os dois são contadores, meu avô despachante, minha avó dona de casa. Então, não foi pelos livros. Meu processo de leitura começa mais ou menos junto com a escrita. O primeiro poeta com que eu tive contato foi Mario Quintana. Mas na minha casa tocava música o tempo inteiro. A minha mãe sempre foi uma pessoa muito sensível, com música, cinema, sempre muito atenta aos filmes, aos cantores. Eu prestava muito atenção nas letras. A minha relação com a poesia vem a partir da música.

“E ouvir crianças requer uma abertura muito grande, um contato com a nossa própria infância”.

E o contato com a psicologia se soma a isso. Sou formada há 22 anos e há 22 anos escuto histórias de vidas, de mulheres, sobretudo de crianças. E ouvir crianças requer uma abertura muito grande, um contato com a nossa própria infância. E eu reconheço isso na poesia, poder se conectar com esse lado infantil e poder se comunicar como as crianças se comunicam, que não é uma palavra direta, mas por toda uma questão lúdica.

“E o mundo precisa nos encantar, precisa nos assustar, precisa ser novo”.

A gente não pode perder a capacidade de se surpreender. De se surpreender, de se inquietar, de poder desejar. Manter o desejo vivo. A criança brinca e, a partir do brincar, ela se conecta com o mundo, ela conta do seu mundo interno. A gente cresce e passa a se exigir a partir de demandas muito objetivas. A lista do supermercado, a grana. A gente associa o brincar à infância. Para escrever poesia eu preciso brincar, mesmo que seja mentalmente. E o mundo precisa nos encantar, precisa nos assustar, precisa ser novo. A gente precisa manter, de alguma forma, a capacidade de se surpreender e não achar que sabe as coisas.

Foto: Daniel Correa

Conheça as histórias anteriores:

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