Elas na feira - histórias de mulheres: Débora Amaral

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Débora Amaral - 40 anos

Eu sempre fui meio líder nas brincadeiras de infância. Sempre quem organizava as brincadeiras era eu. Meu pai trabalhava na Refinaria Riograndense e tínhamos uma colônia de férias, no balneário Cassino. Fazíamos muitas amizades. Certo ano, juntamos um grupo de 30 crianças e organizamos uma apresentação para os pais. E tudo era comigo. Acho que eu trago essa identidade lá da infância para a minha vida hoje. Nos espaços que eu fui ocupando, na universidade, na escola, acabei sempre assumindo papel de liderança. As pessoas confiavam em mim para que eu pudesse representá-las de alguma forma. Acabei aprendendo muito.

“Cada um tem uma inteligência, cada um tem uma marca”.

No meu boletim escolar sempre dizia que eu devia falar menos. E eu fico pensando o quanto a escola, às vezes, não conhece a gente e tenta tirar da gente a força que temos. Se eles tivessem me tirado a capacidade de falar, se eu tivesse ouvido todos os boletins que li, talvez não fosse a pessoa que eu sou hoje. A gente precisa desde muito cedo se conhecer e saber que isso é uma marca, que não é uma dificuldade, nem um defeito, nem um fracasso. Mas uma identidade que vai, em algum momento da vida, te fortalecer. Cada um tem uma inteligência, cada um tem uma marca. Tem gente que é mais introspectiva, mais reservada e que tem um potencial diferente, seja de escrita, seja de pensamento, de raciocínio lógico. Cada um tem uma capacidade na vida.

“Eu nunca tinha percebido essa questão de gênero até assumir o lugar de um homem”.

Eu nunca tinha percebido essa questão de gênero até assumir o lugar de um homem. Como eu sempre trabalhei voltada para a escola, que é um campo feminino, isso não era muito notado por mim. Mas quando eu assumi a direção no lugar de um homem, eu senti as pessoas me testando, me desafiando, não só por parte dos homens, mas por parte das mulheres também. Como se os homens tivessem uma capacidade de autoridade maior que as mulheres, pela forma como se colocam no mundo.

Eu sou uma pessoa educada, não gosto de gritar. Faço isso não só por respeito aos outros, mas por respeito à mim. Não me sinto bem se grito ou humilho alguém. Os cargos de autoridade te permitem isso muito fácil. As pessoas se sentem no direito de gritar e humilhar o outro, até mesmo sem perceber. Eu penso que um cargo de chefia, um cargo de gestão, significa trabalhar para os outros.

“Podemos ter autoridade, sim, mas com amorosidade, com respeito, com carinho, com atenção ao outro”.

Minha mãe sempre usou uma frase: “não faz para os outros o que não queres que façam para ti”. Isso está dentro de mim. Pela minha forma de tratar as pessoas, pensavam que nunca conseguiria controlar, governar, disciplinar, dizer as verdades. A vida me ensina a cada dia que as pessoas no mundo já estão preparadas para a agressividade. Elas já sabem se defender do grito, já sabem se defender da agressão e estranha as pessoas a educação. Quando a gente chega com respeito, chega com educação, aprendi que podemos falar a verdade, podemos fazer uma crítica, mas com respeito, no sentido de entender o outro. Não posso julgar.

Se eu julgar só pelo que vejo, julgo a pessoa e não a história dela. São pequenas coisas do dia a dia, simples, mas que fazem pensar. Ninguém é, a gente está e decide coisas quando é possível decidir. Mas isso não diz quem a gente é de fato, o que a gente pensa, o que queremos no mundo. Então, eu tento muito ser essa pessoa que enxerga o outro. Isso te aproxima das pessoas.

Podemos ter autoridade, sim, mas com amorosidade, com respeito, com carinho, com atenção ao outro. Quem é esse outro? Cada um traz uma marca: seja professor, seja mãe, seja aluno. Cada um tem uma história. Que história cada um carrega? Coisas que para mim podem ser super simples, mas no outro pode doer de uma forma que eu não consigo medir. Isso é conviver com pessoas diferentes.

“Eu acho que por trás de uma grande mulher existem grandes mulheres”.

Todo mundo diz que atrás de um grande homem existe uma grande mulher. Eu acho que por trás de uma grande mulher existem grandes mulheres. Eu tive o privilégio de ter duas avós com características muito fortes. Embora hoje tenhamos vários olhares sobre as igrejas, existem muitos valores naqueles espaços. E as minhas duas avós eram cristãs e de solidariedade ao outro. Mulheres que visitavam as casas dos enfermos, que oravam pelos necessitados, que sentiam a dor do outro. Com quatro ou cinco anos, elas me levavam para essas casas e me ensinava a orar pelas pessoas, a respeitar as pessoas. Isso a gente aprende. A gente não nasce assim. Alguém precisa ser esse exemplo. E eu tive bons exemplos. Seis filhos criados por cada uma. A gente aprende... saudades.

Foto: Karol Avila

Conheça a história anterior:

Elas na feira - histórias de mulheres: Maria Alvina Madruga Goulart

 

 

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