Elas na feira - histórias de mulheres: Maria Alvina Madruga Goularte

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Maria Alvina Madruga Goularte - 67 anos

Sou natural de Piratini, morava no interior, em Cerro Alegre. Às vezes, não gosto de lembrar da minha infância. A minha mãe trabalhava com serviços de agricultura, para poder me sustentar, já que era mãe solteira, em 1950. Ela namorou meu pai e do relacionamento eu nasci. Meu pai não me assumiu, não quis me registrar. E isso gerou muita revolta na adolescência. Eu digo ainda hoje que eu sinto saudade de um colo de homem. Eu não tive pai para passar a mão na minha cabeça, me fazer um carinho, me dar um colo. Na escola, no livro de chamada, tínhamos que completar o nome da família. E no lugar do nome do pai eu colocava pontinhos.... Mas pontinhos não faz filhos. Se ele vinha de um lado da rua, eu atravessava. Mas eu comecei a me aproximar. 

“Fui criada com água doce, canjica cozida no sal e farinha de milho torrado”.

Eu passava fome. Fui criada com água doce, canjica cozida no sal e farinha de milho torrado. Aos nove anos, comecei a trabalhar como empregada doméstica, cuidando de bebês e assumindo uma cozinha para me sustentar. Àquela época, empregada doméstica ganhava pouquinho, não tinha carteira assinada e nem direitos. Comecei a trabalhar passando trabalho na casa dos outros. Éramos tratados como escravos, éramos humilhados. Trabalhei na casa de uma senhora, o marido e a filha. Na hora do almoço, se sobrava comida, eu comia. O resto. A xícara que eu usava era a que estava quebrada. Os talheres eram guardados separados e lavados separados. Era orientação para não contaminar o resto da louça. E ela trabalhava como doméstica em uma escola. Adulta, fui para a casa de uma família que era de Caxias do Sul. Lá, me sentia gente. Ela era branca e não tinha esse preconceito com o fato de eu ser negra e pobre. Eu amo ela até hoje. Conto essa história para as minhas duas filhas. Ela até me ensinou a fazer as unhas. Morei com ela dos 12 aos 17 anos.

“Minha mãe era guerreira, batalhadora”.

A minha primeira paixão de adolescente foi por um homem negro. Eram noites deitada pensando nele. Namoramos por um bom tempo, mas a mãe dele, negra como eu, mas muito preconceituosa, não era a favor do relacionamento porque eu era filha de mãe solteira e os filhos dela eram um pouco mais claros que eu. Ele não gostava de mim. Do contrário, teria ficado comigo. Sofri muito. Casei com 27 anos. Na minha cidade, tinha o clube dos pretos e o clube dos brancos. E eu não pude me associar nem nos de pretos, mais uma vez, por causa da minha mãe que era solteira. Minha mãe era guerreira, batalhadora. Ela não negava trabalhos. Capinava, matava animais, ajudava as parteiras de campanha. Depois do casamento, ela foi morar comigo.

“Eu não sei perdoar. Acho que quem perdoa, não pode guardar um milímetro de mágoa”.

Meu pai nunca me deu um pedaço de pão para comer, nem um litro de leite. Quando ele adoeceu, cuidava no hospital. Deitava com ele, ficava em alerta. Jogávamos cartas enquanto ele não conseguia dormir. Ele não tinha força para comer, e eu escorava ele, sentava perto de mim e dava a sopa na boca. Eu arrumei meu pai para o velório. Eu não sei perdoar. Acho que quem perdoa, não pode guardar um milímetro de mágoa. E eu não sei. Tentei. Só sei que eu fiz por ele o que ele não fez por mim. Hoje, sou feliz. Constitui minha família. 

“O que aparece, leio”.

Amo ler e fazer crochê. O que aparece, leio. Às vezes, não tenho condições para comprar, mas a minha prima me empresta. Não gosto que falem comigo enquanto estou lendo, porque eu esqueço onde eu estou. 

Foto: Karol Avila

 

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Maria Alvina Madruga Goularte

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