Elas na feira - histórias de mulheres: Carla Amorim Neves Gonçalves

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Carla Amorim Neves Gonçalves – 44 anos

Minhas recordações da infância têm emergido nesses últimos dias, principalmente as recordações junto com a minha vó. Eu sou filha de pais separados e eu e minha mãe moramos toda nossa vida junto com a minha vó, que foi a pessoa responsável por me iniciar na biologia, que foi a área que depois eu escolhi para atuar profissionalmente. Foi com ela que eu aprendi a depenar uma galinha, abrir uma galinha, conhecer ervas de chá, temperos e recentemente eu tenho feito essa reflexão do que me levou a escolher a biologia, além do gosto pelos animais, e agora entendo que foram as influências da vó que era também minha dinda e que me cuidava para minha mãe trabalhar.

“quando criança lia até bula de remédio”

Eu sempre gostei de ler, quando criança lia até bula de remédio, quando eu não tinha muitos livros para ler, eu lia dicionário para conhecer novas palavras. Quando eu passei para quinta série e fui para a escola Bibiano de Almeida nesta escola tinha uma biblioteca bem grande bem sortida, pelo menos para minha visão de menina, e eu ficava sempre na biblioteca e até a bibliotecária brigava comigo porque eu deveria pegar uma livro em uma semana e devolver na outra e eu lia em dois dias e já queria devolver por outro. Minha iniciação na literatura foi por intermédio da Coleção Vagalume e Agatha Christie.

“era fã de Indiana Jones, a ciência sempre esteve no meu entorno”

Eu sempre gostei de ciência, meus programas favoritos eram no sábado pela manhã, Cosmos, e achava lindo trabalhos relacionados à arqueologia, era fã de Indiana Jones, a ciência sempre esteve no meu entorno, e a biologia foi a escolha não aleatória, mas por eliminação. Eu pensava: não vou fazer matemática, porque não sou boa em matemática, não vou escolher uma carreira difícil para passar no vestibular como uma medicina ou engenharia.

Eu tinha interesse em fazer jornalismo, mas na época como até hoje não tem em Rio Grande o curso, e a minha família não tinha condição para eu ir estudar fora, então eu pensei, como eu gosto de coisas relacionas à vida eu vou fazer biologia. Naquela época, com 16 anos eu não sabia o que era uma licenciatura. Eu fui aprender durante o curso que eu estava me preparando para me tornar uma professora.

“fui uma das primeiras biólogas rio-grandinas a fazer mestrado em oceanografia biológica na FURG”

Quando eu finalizei o curso realizei o concurso para o magistério municipal e passei. Como eu na mesma época passei na seleção para o mestrado em Oceanografia Biológica, desisti da vaga do concurso para fazer o mestrado – e lembro que minha mãe dizia que eu era maluca, perder um concurso público. Eu venho de uma família muito simples, para eles [familiares], ter concluído uma graduação já era o máximo que alguém poderia alcançar. Ela [a mãe] não sabia nem o que significa “esse tal de mestrado” e “esse tal de doutorado”, mas me apoiou e eu fui uma das primeiras biólogas rio-grandinas a fazer mestrado em oceanografia biológica na FURG.

“É reconfortante saber que o nosso trabalho compõe o alicerce de outros profissionais. Ser professor é isso”.

Ser professor ao mesmo tempo que é extremamente gratificante é extremamente exigente e no contexto atual nós ficamos até com receio de indicar para alguém o caminho da docência, considerado que essa categoria vem sendo atacada pelos formadores de opinião pública. Eu me formei bióloga, entrei logo depois do doutorado na universidade e passei os três primeiros anos me apresentando como bióloga. Eu levei um tempo para me constituir como professora e hoje eu não me vejo fazendo outra coisa.  É gratificante olhar para o lado e ver uma enfermeira e poder dizer que eu fiz parte da formação dela, porque eu dou aula para o curso de enfermagem, o médico que eu fui consultar já foi meu aluno, as biólogas que hoje estão no mestrado e no doutorado já foram minhas alunas. É reconfortante saber que o nosso trabalho compõe o alicerce de outros profissionais. Ser professor é isso.

A Feira do Livro deste ano me possibilitou, por meio da Oficina Literária Somos todos cronistas, ministrada pelo Daniel Baz, uma atividade muito interessante em que eu criança deveria enviar uma carta pra mim no futuro e depois respondê-la. A Carla criança mandou dizer para Carla adulta tomar cuidado para que a academia não destrua a simplicidade do teu gostar e do teu querer pela biologia. E a Carla atualmente, com seus 44 anos, agradeceu o conselho e disse que estava permitindo que a academia fizesse parte da sua vida, como seu ganha-pão, mas que ela continua vivendo experiências mágicas no jardim da própria casa, cultivando suas ervas de chá e fazendo seu próprio chá de hortelã. Eu encerrei a carta pedindo para Carla lá da infância dar um grande abraço na minha  vó que hoje não está mais aqui.

“O importante é estar em contato com os acadêmicos é saber que estamos ajudando a construir um novo profissional”

Eu cresci muito curiosa e por isso fui buscar as ciências biológicas e quando eu entrei na vida profissional acadêmica percebi que existe um jogo de vaidades muito grande e por busca de valores que não são valores importantes e essenciais. O importante é estar em contato com os acadêmicos é saber que estamos ajudando a construir um novo profissional, isso é muito mais importante do que um artigo publicado em uma revista internacional que a maioria da comunidade brasileira não vai ler, não que isso também não seja importante, mas não podemos perder de vista o olhar naquilo que é mais caro, que é a relação do hoje e do agora com quem está mais próximo da gente.

Foto: Daniel Correa

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Carla Amorim Neves Gonçalves

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