Censo da educação superior: desafios e possibilidades

O censo da educação superior, recentemente divulgado pelo INEP, reúne um conjunto robusto de estatísticas educacionais até o ano 2021. Se há uma síntese possível para as informações apresentadas, é que os dados são muito preocupantes, especialmente para um país que tem a intenção de reduzir desigualdades e ampliar o nível de escolaridade da população como pilar para se desenvolver de forma sustentável, social e economicamente. Como agravante, o Plano Nacional de Educação (PNE) se aproxima do final da sua vigência ainda distante das metas planejadas e estabelecidas pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

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Não se pretende aqui detalhar os dados ou analisar profundamente as dimensões do censo, mas apresentar um ponto de vista sobre o panorama da educação superior no Brasil a partir das informações divulgadas, apontando fragilidades evidentes e caminhos possíveis para retomar o importante pacto firmado pela sociedade brasileira por meio do PNE, largamente ignorado nos últimos quatro anos como demonstram os dados apresentados.

O primeiro aspecto do censo a ser ressaltado é justamente as conclusões sobre o lento avanço das taxas de matrícula previstas no PNE que, em sua meta 12, estabelece “Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público”.

Em 2021, havia apenas 39,3% da população de 18 a 24 anos matriculada no ensino superior, taxa que cresceu apenas 3,3% entre 2016 e 2021, contra um crescimento de 5,8% entre 2012 e 2016. Restando apenas dois anos de vigência do PNE, é difícil imaginar que a taxa bruta de matrículas no ensino superior para essa faixa etária alcançará os 50% planejados em 2014. Da mesma forma, a taxa líquida encontra-se distante dos 33% idealizados quando da aprovação do PNE, pois, em 2021, o censo apurou apenas 19,7% neste indicador, mostrando ainda um decréscimo de 0,3% em relação a 2016, contra um crescimento de 3,7% de 2012 a 2016.

A taxa líquida de matrículas difere da bruta ao considerar apenas a população de 18 a 24 anos matriculada no ensino superior, em relação à população total do Brasil nesta faixa etária. Já a taxa bruta considera toda a população matriculada no ensino superior, independentemente de sua idade, em relação à população total do Brasil de 18 a 24 anos. Ambos os indicadores dependerão de políticas públicas efetivas para que as metas do PNE sejam alcançadas no menor tempo possível.

O que torna o desenvolvimento dessas políticas de expansão mais desafiador é o contexto de redução no número de ingressantes e a crescente evasão no ensino superior, fenômenos complexos e multifatoriais que devem ser enfrentados. Os dados apresentados permitem inferir que estas tendências não estão relacionadas com um baixo estoque de demanda nem com aspectos demográficos, o que abre espaço para o aprimoramento significativo de políticas públicas, visando ampliar o acesso e a permanência de estudantes na educação superior.

A influência dos processos de evasão e de baixo ingresso evidenciados no censo demonstra uma preocupante ociosidade no sistema, em um país que ainda não tem 20% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior e que tem cerca de 42% desta população com o ensino médio concluído sem acessar a universidade. Portanto, o primeiro desafio que se impõe é ampliar o acesso à universidade, flexibilizando e diversificando modalidades de ingresso. Paralelamente, é preciso compreender o fenômeno da evasão em sua complexidade, agindo sobre os elementos mais fundamentais que estão afastando os estudantes do ensino superior, pois essa perda não é da universidade e sim da sociedade brasileira.

Se parece paradoxal enfrentar a evasão e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso à universidade flexibilizando modalidades de ingresso, os estudos mais recentes vêm demonstrando que a forma de acesso tem pouca influência no aumento da evasão, ao passo que a assistência estudantil e o envolvimento com projetos de extensão e pesquisa são elementos fundamentais para enfrentá-la. Não basta, portanto, ampliar com urgência o acesso e radicalizar as ações afirmativas, mas será também fundamental incrementar os benefícios de assistência estudantil, bolsas de iniciação científica e pós-graduação, assim como incentivar o fomento para novos projetos nas áreas de ensino, cultura, pesquisa, inovação e, especialmente, extensão no âmbito de sua curricularização.

Um país que tem a educação como base para o desenvolvimento precisa compreendê-la como um processo integral, da creche à pós-graduação, e plenamente articulado com ciência, tecnologia, inovação e compromisso socioambiental. Sem financiamento adequado, autonomia universitária e um desenho estratégico e assertivo de políticas públicas para promover o acesso e a permanência estudantil na universidade, muito dificilmente o Brasil conseguirá enfrentar as históricas injustiças sociais e se desenvolver de forma plena e equitativa.

 

**Texto originalmente publicado em www.andifes.org.br - disponível aqui.