EXEMPLO DE VIDA

Estudante de 73 anos defende trabalho de conclusão de curso na segunda-feira

Maria Clair Alves é formanda do Curso de Artes Visuais Bacharelado

Foto: Acervo pessoal
Aos 73 anos, Maria Clair apresentará sua poética artística através do têxtil e de sua trajetória

"É uma vitória que nós, os idosos, estamos conseguindo. Um espaço acadêmico, onde possamos dar continuidade aos nossos estudos, o que não conseguimos quando jovens", com essa frase Maria Clair Alves define sua trajetória e a dos idosos que hoje estudam na Universidade Federal do Rio Grande (FURG). A estudante do Curso de Artes Visuais Bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), aos 73 anos, defende na próxima segunda-feira, 8, seu trabalho de conclusão de curso (TCC). A apresentação pública será às 15h30 no Auditório do Instituto de Letras e Artes Visuais (ILA/FURG), Campus Carreiros.

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Com o título "Metamorfose na maturidade, o fio do crochê como poética artística da liberdade", o trabalho é um relato da experiência pessoal como estudante idosa do curso. "Narro minha experiência universitária como pessoa idosa e apresento o desenvolvimento da minha poética artística através do têxtil, mais especificamente o crochê. Através do crochê afirmo as práticas ancestrais femininas, revivo memórias e crio peças baseadas na metamorfose das borboletas como estética da transformação e liberdade", esclarece Maria Clair no resumo do seu (TCC).

O trabalho teve orientação da professora Roseli Nery, que reforça: "o trabalho trata das vivências de Maria Clair como estudante idosa na FURG e seu desenvolvimento como artista. Consideramos importante este momento em que a universidade acolhe pessoas idosas e lhes dá oportunidade de formação".


Trajetória

Maria Clair voltou a estudar depois dos 50 anos, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Até então, ela havia completado somente a terceira série do ensino fundamental. "Eu nunca deixei de pensar em voltar a estudar, mas as coisas não se encaminhavam pra isso. Trabalhando, cuidando da família, criando a filha... Aí a filha cresceu, casou, se tornou mãe, as coisas foram se encaminhando. Depois dos 50, me deu um estalo: a hora é agora. Fiz a minha matrícula no EJA numa escola perto da minha casa, a três quadras daqui, e voltei a estudar", detalha.

Sobre as dificuldades iniciais, explica: "Não foi muito confortável, porque como era à noite, o marido não gostava muito, mas não tinha problema e eu continuei." Depois, para seguir avançando nos estudos, Maria Clair dependeria de ônibus à noite para se deslocar até a nova escola, o que a levou a se inscrever nas provas da rede pública estadual, na Coordenadoria Regional de Educação, para concluir o ensino fundamental. "Fiz a inscrição, fiz as provas, terminei", enfatiza.

No ano seguinte, para concluir o ensino médio, fez inscrição no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeeja). Na prova de seleção, eliminou muitas matérias e precisou apenas completar os estudos nas disciplinas de matemática, química, física, biologia, além da língua estrangeira, para a qual optou por espanhol.

Ao fim desta jornada, conta que seu sobrinho e sua esposa a incentivaram a continuar estudando, perguntando se ela iria parar de estudar. "Não, vou fazer o Enem", respondeu, sobre a intenção de prestar o Exame Nacional do Ensino Médio. Quando abriram as inscrições para o Enem, eles a inscreveram. A primeira opção de curso foi Letras - Português/Espanhol. Como precisava de uma segunda opção de curso, decidiu por Artes Visuais. "Não tinha esperança de passar, mas fiz. Na realidade, nem estudei para o Enem, pois estava estudando para as provas da prefeitura, para o funcionalismo público. Calhou que as provas da prefeitura eram em outubro e o Enem em novembro. Não estudei, mas passei", conta.

Quando as inscrições para a FURG abriram, seu sobrinho ligou. "Estás sentada?", ele perguntou. Ao que Maria Clair respondeu: "Não". E ele disse: "Então te senta, tenho uma notícia pra te dar. Terça-feira tens que estar na FURG com toda a tua documentação. Vou te passar toda a documentação que tens que enviar. Estás dentro, em Artes Visuais". Sobre a notícia, Maria Clair conta: "Quase morri com o choque, mas foi muito bom voltar a estudar, uma realização pessoal".

Quanto à recepção no curso, destaca que desde a coordenação do curso, aos professores e colegas, houve acolhimento e reconhecimento. "Os colegas, então, são espetaculares comigo, me ajudam em tudo, me tratam bem, sou muito bem acolhida", enfatiza.


Idosos na FURG

Para a pesquisa final de curso, Maria Clair investigou quantos idosos (60+) estão matriculados na FURG e chegou aos seguintes dados: "Mais de 50 idosos estão estudando na FURG. Acredito que precisamente 58. A maioria, com mais de 70 anos". Como destacado no início desta matéria, a formanda considera esses números uma vitória e relaciona os achados de pesquisa com o simbolismo da metamorfose das borboletas. "As borboletas significam a metamorfose na maturidade, as borboletas da liberdade. É uma forma de nós, como mulheres, estarmos saindo dos casulos, voando e ocupando nossos espaços de direito", destaca.

Como alguém que só conseguiu voltar aos estudos na fase adulta, tempo muito distante dos sonhos da infância, Maria Clair reforça o significado profundo de conquistas como essa, principalmente para as novas gerações: "Todos nós temos direitos e a mulher, até poucos anos atrás, não tinha. Hoje estamos batalhando, trabalhando, para ocupar nossos espaços, para mostrar que somos qualificadas para qualquer tipo de trabalho, estudo, formação acadêmica. As borboletas significam que saímos do casulo e voamos livres, leves e soltas."

As borboletas estão presentes na produção de Maria Clair em crochê, discussão também abordada na pesquisa, a partir da arte têxtil, que faz parte da formação em Artes Visuais. "O crochê da vovó, não é só o crochê da vovó, significa arte. A arte têxtil nos deu essa oportunidade: mostro, junto com as borboletas, que o crochê da vovó, um fazer familiar, coletivo, se transforma em arte", finaliza.

O trabalho artístico de Maria Clair está instalado no Prédio das Artes e na próxima semana estará no Espaço Incomum, do Centro de Convivência, Campus Carreiros, para visitação.

 

 

 

Galeria

Produção artística de Maria Clair está exposta no Prédio das Artes e na próxima semana estará no Espaço Incomum

Acervo ILA/FURG