O comércio internacional está enfrentando um novo desafio. Recentemente, os Estados Unidos impuseram tarifas sobre uma série de produtos brasileiros, afetando diretamente as exportações do país. Essa medida, que inclui tarifas de até 50% sobre produtos como carnes, café, calçados e siderúrgicos, tem gerado preocupação entre os empresários, governantes e especialistas em economia.
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Para responder a essas perguntas, conversamos com o professor Márcio Nora Barbosa, que ministra a disciplina de Economia Internacional no curso de Ciências Econômicas e também atua no Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Essa medida pode prejudicar a competitividade das exportações brasileiras, reduzir a demanda e afetar negativamente os lucros das empresas nacionais brasileiras?
Sim, essa medida pode prejudicar bastante a competitividade das exportações brasileiras. Com tarifas que chegam a até 50%, os produtos do Brasil acabam ficando menos atrativos no mercado dos Estados Unidos, que em 2024 exportou cerca de 40 bilhões de dólares para o mercado norte-americano. Mesmo com a divulgação de uma lista de exceções (cerca de 700 produtos) por parte dos EUA, que exclui, pelo menos por enquanto, alguns itens da indústria de aviação, defesa, cadeia automotiva e equipamentos industriais mais sofisticados, setores importantes da nossa pauta exportadora continuam sendo diretamente afetados. É o caso, por exemplo, das carnes, café, dos calçados, dos produtos siderúrgicos e das máquinas agrícolas. A tendência é que haja uma queda na demanda por esses produtos, o que pressiona as margens e reduz a lucratividade das empresas brasileiras que dependem das vendas para o mercado norte-americano.
A imposição das tarifas pode aumentar a incerteza econômica e desincentivar novos investimentos americanos no Brasil?
Sem dúvida. Até o fim de 2022, o Banco Central apontava os Estados Unidos como a principal fonte de investimento direto estrangeiro no Brasil, com um estoque acumulado de cerca de 229 bilhões de dólares. Em 2023, esse fluxo se manteve alto, foram cerca de 10 bilhões de dólares investidos pelos americanos ao longo do ano, o que mostra uma relação econômica sólida entre os dois países. O problema é que, quando medidas tarifárias são aplicadas de forma repentina, e com alíquotas tão altas como essas, isso naturalmente eleva a percepção de risco. Para o investidor americano, esse tipo de instabilidade pode ser um sinal de alerta. E, diante disso, não é difícil imaginar que novos investimentos possam ser redirecionados para outros países que oferecem um ambiente mais previsível, com regras claras e acordos comerciais mais estáveis. Isso acaba, sim, comprometendo a atratividade do Brasil como destino de investimentos produtivos vindos dos EUA.
Quais os setores mais impactados pela tarifa dos EUA no Rio Grande do Sul e no Brasil?
No cenário nacional, os setores mais afetados por essas tarifas adicionais dos Estados Unidos são principalmente a siderurgia e parte do agronegócio. Em 2024, o Brasil exportou cerca de 4,1 bilhões de dólares em produtos siderúrgicos para os EUA, o que equivale a mais ou menos 60% de tudo o que o país vendeu ao exterior nesse setor. Já o agronegócio, como um todo, alcançou 164,4 bilhões de dólares em exportações no ano, representando quase metade de toda a pauta exportadora brasileira. Carnes e café estão entre os produtos mais sensíveis a essa medida. A celulose, embora seja um item importante, acabou ficando de fora das tarifas em boa parte, graças à lista de exceções anunciada pelo governo americano.
Porém, para o RS, o impacto é ainda mais preocupante. Um estudo recente da FIERGS mostrou que cerca de 85% das exportações industriais do estado para os EUA continuam sujeitas às tarifas, mesmo com a exclusão de quase 700 produtos. Aqui, os setores mais expostos são madeira, produtos metálicos, couro, calçados, tabaco e armas, todos com forte presença no mercado norte americano e bastante vulneráveis a uma queda de competitividade. Carnes e máquinas agrícolas também têm algum grau de exposição, mas não estão entre os produtos com maior peso na pauta de exportações do estado em 2024. Então, o que podemos observar é que os efeitos dessas tarifas devem ser sentidos principalmente nos setores industriais mais tradicionais da economia gaúcha.
A falta de um acordo comercial formal entre Brasil e EUA coloca o Brasil em posição desvantajosa?
Sem dúvida. Em 2024, o comércio de bens e serviços entre Brasil e Estados Unidos movimentou cerca de 127,6 bilhões de dólares, o que mostra a importância da relação bilateral. Mas o fato de o Brasil não ter um acordo comercial formal com os EUA o deixa mais vulnerável a medidas tarifárias unilaterais e abruptas, como as anunciadas recentemente. Países que contam com acordos formais, como México e Chile, geralmente têm acesso preferencial ao mercado norte-americano, o que garante mais previsibilidade e segurança para seus exportadores, o que, naturalmente, coloca o Brasil em desvantagem competitiva. Agora, é importante destacar que nem mesmo esses acordos blindam completamente os países parceiros. Casos recentes mostram que os EUA ainda podem adotar medidas protecionistas mesmo dentro de blocos formais, como já fizeram com o México no setor automotivo ou com o Canadá em disputas sobre alumínio. Ou seja, um acordo comercial não elimina os riscos, mas certamente ajuda a reduzir a frequência e a intensidade dessas medidas, além de oferecer mecanismos mais claros de contestação.
Quais os reflexos dessas medidas às empresas exportadoras gaúchas e ao porto do Rio Grande?
As empresas exportadoras do Rio Grande do Sul tendem a sentir os efeitos das tarifas norte americanas de forma direta, especialmente em setores já mencionados como calçados, carnes, armas e tabaco todos com forte inserção no mercado dos EUA. Com o aumento de barreiras tarifárias, esses segmentos podem enfrentar perda de competitividade, redução de pedidos e queda de receitas, o que afeta a produção local, empregos e investimentos no estado. No entanto, quando analisamos os dados de 2024 do Porto do Rio Grande, os impactos das tarifas parecem ser mais setoriais do que estruturais. A movimentação portuária com destino aos Estados Unidos está concentrada em poucos grupos de mercadorias. O principal produto exportado para os EUA via porto foi a celulose, com cerca de 491 mil toneladas, seguida por contêineres (333 mil toneladas), que podem conter uma variedade de bens industriais. O ponto central é que a celulose foi incluída na lista de exceções tarifárias dos EUA, o que reduz significativamente o impacto direto da medida sobre esse produto. Já os contêineres, embora em menor volume físico, podem transportar calçados, peças industriais ou outros bens manufaturados sujeitos às tarifas, o que exige atenção especial por parte das empresas desses setores. Portanto, o Porto do Rio Grande não deve sofrer uma queda expressiva de movimentação total por conta das tarifas, já que seus principais produtos com destino aos EUA, em especial a celulose, foram poupados. Ainda assim, há um potencial de impacto indireto sobre a movimentação de cargas conteinerizadas e sobre os serviços logísticos associados a produtos de maior valor agregado, o que pode afetar nichos específicos da cadeia portuária e da logística regional. Contudo, é importante frisar que esta fotografia reflete a conjuntura de agora. A política comercial norte-americana tem se mostrado volátil: a mesma ordem presidencial que estabeleceu a tarifa de 50 % autoriza ajustes unilaterais na lista de exceções a qualquer momento. Em outras palavras, o cenário pode mudar de um dia para o outro, tanto para melhor quanto para pior. Por isso, empresários, gestores portuários e formuladores de políticas precisam acompanhar de perto cada movimento e manter planos de contingência prontos para reagir rapidamente às possíveis reviravoltas.