A poética de Marina, um marco na história do curso de Artes Visuais da FURG

Som, corpo, cor, movimento e expressão em uma combinação singular, com referências no passado da arte e na trajetória de quem se faz artista, é o que propõe o estudo “Dança e pintura: as memórias de uma aluna com Síndrome de Down no curso de Artes Visuais”, defendido nesta quinta-feira (16), pela manhã. Marina Pompeu Marandini, a primeira estudante com síndrome de Down da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), recebeu nota máxima da banca pelo trabalho de conclusão de curso em que apresentou uma nova metodologia com seu processo criativo, uma poética própria.

Diante da projeção de slides na parede que Carlo Diego, monitor, colega de curso e amigo, cuida de avançar, Marina contém o nervosismo e fala com segurança e propriedade de si e das indagações que o trabalho buscou discutir entre o desafio de seus limites e as linguagens da dança e da pintura. Imaginar-se no lugar de figuras do balé faz parte da reflexão sobre os momentos de criação da artista. “Me identifico com a bailarina de ponta de pé, de Toulouse-Lautrec”, diz, mostrando em seguida sua obra preferida e os estímulos musicais que a ajudaram a compor. Entre música clássica, samba, rap e kuduro, “o funk forte”, como define, foi o ritmo mais presente. “Dificuldade? Nunca tive. Tirei de letra”, Marina emociona banca e público ouvinte.

A banca

Após a exibição de um vídeo breve em que Marina aparece produzindo telas de grande formato, foi a vez dos professores da banca, doutores com experiência em história da arte, se manifestarem. Tamara Quírico (UFRJ), por vídeo-conferência, elogiou a competência da estudante ao desenvolver um trabalho autoral, de forte referência impressionista, com a música como elemento essencial da criação, do gesto livre. “É um trabalho precioso”, avalia, “não é simplesmente uma monografia do curso de Artes, ela mostra os desafios do ensino de artes que visa à inclusão de todos os alunos”.

Para Tereza Lenzi (FURG), a presença, a permanência e o sucesso da estudante resultaram no estudo acadêmico que significou à universidade um grande aprendizado, um marco no curso de Artes Visuais, um ato inaugural. “Especialmente o que me comove na Marina é uma qualidade muito rara: o desejo. Ela é desejosa”, destaca Tereza, que apontou ainda a evidente habilidade da aluna de contagiar as pessoas ao redor com sua vontade de crescer. A equipe que acompanhou a realização do estudo foi Marina quem formou e transformou em seres de desejo, considera a docente.    

A professora Ivana Lopes (FURG) relembrou o esforço coletivo da equipe e dos professores do curso em acolher e tentar compreender a estudante desde sua chegada. O co-orientador Michael Chapmam, quem percebeu o potencial criador de Marina, considera este estudo o melhor trabalho de equipe que já desenvolveu na FURG. A orientadora da pesquisa, Vivian Paulitsch, também enfatizou a horizontalidade do processo educativo experimentado pelo curso com o envolvimento dos professores e o apoio dos colegas à orientanda.

O depois

Enquanto os membros da banca se reuniam para dar o parecer final à monografia avaliada, Marina era toda emoção no corredor, com os cumprimentos carinhosos de amigos e familiares. “O que esse trabalho muda na minha vida? Muda tudo”, diz a artista, que quer continuar com a pintura e a dança no futuro. Unanimidade entre os avaliadores, o TCC foi recomendado para publicação, a fim de servir de referência para experiências similares em outras instituições.

Estudantes com necessidades específicas na FURG

A equipe que acompanhou Marina ao longo de sua trajetória acadêmica foi formada por docentes do Instituto de Letras e Artes (ILA) e por bolsistas do Programa de Apoio aos Estudantes com Necessidades Específicas da FURG (Paene). Vinculado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), o programa foi criado para atender as demandas originadas com o ingresso de pessoas com deficiência na Universidade.

Além de Marina, outra estudante atendida pelo Paene concluiu o curso de Artes Visuais essa semana: Cíntia do Amaral Pereira, que é surda, defendeu a monografia “Vocabulário artístico em língua brasileira de sinais: uma proposição a partir de experiência vivida” e também foi aprovada com nota máxima. A primeira estudante surda a se formar na FURG foi a Cassia Lobato Marins, em Pedagogia. Atualmente, Cassia é professora da Universidade lotada no ILA.

Segundo Daniele Jardim, coordenadora da Coordenação de Acompanhamento e Apoio Pedagógico ao Estudante (Caape), mais de 100 estudantes com necessidades específicas já passaram pela FURG, dos quais 34 requereram assistência ao Paene. Há registros de pelo menos 13 matriculados para o ano letivo de 2017, que deverão ser acompanhados pela Caape.  

 

Galeria

O abraço da reitora Cleuza Dias em Marina antes da defesa do TCC. Crédito: Andréia Pires

O abraço da reitora Cleuza Dias em Marina antes da defesa do TCC. Crédito: Andréia Pires

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