A fim de homenagear as grandes descobertas científicas e comemorar o Dia da Ciência e Tecnologia, celebrado no dia 16 de outubro, a Secretaria de Comunicação (Secom) da FURG deu início a uma série especial de entrevistas com alguns dos nomes de destaque no quadro de pesquisadores da universidade.
O segundo bate-papo desta série é com Jorge Alberto Vieira Costa, professor titular da Escola de Química e Alimentos (EQA) e que, recentemente, figurou na lista de cientistas de maior impacto no mundo, publicada pela editora científica mais renomada internacionalmente, a Elsevier.
Graduado em Engenharia de Alimentos pela própria FURG, em 1984; Jorge concluiu seu doutorado em Engenharia de Alimentos no ano de 1996, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele foi coordenador do curso de Engenharia Bioquímica e bolsista de produtividade em pesquisa; além de coordenar o Programa de Pós-graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos; o curso de Engenharia de Alimentos e o curso de Engenharia Química.
Jorge é conhecido mundialmente pelo seu trabalho com microalgas, Spirulina, Fermentação Semi-Sólida, Fermentação em Estado Sólido, Amiloglicosidase, Lipase, Biossurfactante, Engenharia de Alimentos, Engenharia Bioquímica, Ciência e Tecnologia de Alimentos e Biocombustíveis. Nesse entrevista, o professor conta um pouco sobre sua carreira e como a ciência pode transformar o mundo.
Microalgas e o combate à fome: contexto
De acordo com o pesquisador, seu trabalho com as microalgas iniciou em 1996, quando voltou do doutorado; sua intenção era juntar a vocação da FURG – de um trabalho vinculado ao sistema costeiro -, com a sua formação como engenheiro de alimentos e o programa de pós-graduação em Engenharia de Alimentos, que se iniciava na FURG naquele mesmo ano.
Confira a entrevista a seguir.
- Como foi o processo inicial desse projeto?
- Começamos com a microalga spirulina, voltada para o trabalho de combate à fome; isso em 1998. Neste ano pude participar de um seminário do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, para o desenvolvimento da região sul em Santa Vitória do Palmar. Na ocasião conheci a Fundação Zeri, que buscava parceiros para trabalhar exatamente com spirulina, na linha de biossistemas circulares e sustentáveis. Foi impressionante como casou o anseio de ambas partes, foi uma parceria muito legal.
Nos anos seguintes, em 1999 e 2000, a fundação conseguiu recursos com a Amana Key Desenvolvimento e Educação, que é uma empresa que faz treinamento de executivos para que eles não fiquem ligados apenas às questões técnicas, mas que tenham uma visão holística do mundo. Entre essas pessoas estava o executivo do Banco do Brasil; coincidentemente juntar esses players, juntamente com um dos grandes ícones da economia azul mundial, Gunther Pauli; foi possível criar um centro de desenvolvimento sustentável e metodologia Zeri em Santa Vitória do Palmar, que é o grande embrião dessa história.
- Em que momento esse projeto ganha ainda mais tração e proporção?
- Com a primeira eleição do presidente Lula veio a criação do programa Fome Zero. A FURG foi a primeira universidade do brasil a entregar para o ministro da educação, na época Cristovam Buarque, um programa de combate à fome, que nada mais era do que o programa da Spirulina. De início, a ideia não foi apoiada pelo Fome Zero especificamente, mas foi apoiado por outros programas do Governo Federal, como o Petrobras Fome Zero. Neste último, a FURG foi uma das selecionadas, por volta de 2004 tivemos também o apoio da Refinaria Ipiranga e da Copesul.
Neste momento vivemos o grande impulso do projeto. Com o aporte conseguimos construir uma planta em Santa Vitória do Palmar, à beira da lagoa mangueira, com a ideia de usar um ativo ecológico que é a água alcalina ali presente. Nós começamos a nos tornar o principal grupo do país em termos de trabalho com spirulina; e daí vieram vários projetos técnicos não somente no combate à fome, mas também em relação ao efeito estufa. Nesse sentido, em 2004, foi aprovado um projeto com a Eletrobrás e com a CGTE, que consiste na companhia de geração térmica de energia que fica em Candiota. Hoje também temos a maior planta de biofixação de gases do efeito estufa com microalgas devido a queima de combustíveis.
- Essas pesquisas de alto impacto também levam o nome da FURG para o mundo; como você enxerga esse processo de qualificação institucional?
- Com todo esse protagonismo vindo dessas iniciativas, a FURG foi se tornando uma referência não só com projetos relacionados à spirulina, mas também com microalgas em geral. Dessa relevância a universidade desenvolve para a Petrobras o biodiesel de microalgas. Essa tecnologia foi inteiramente desenvolvida pela nossa equipe; hoje existe uma planta da Petrobras no Rio Grande do Norte inteiramente trabalhando com isso.
No que tange microalgas e spirulina, nossa equipe do laboratório de Engenharia Bioquímica do Centro de Elaboração de Alimentos com Spirulina (Ceas), do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Ciência de Alimentos; e do Laboratório de Microbiologia e Bioquímica, nós nos tornamos referência mundial; a exemplo disso, dois pesquisadores deste grupo apareceram na lista dos pesquisadores mais influentes do mundo: eu e a professora Michele Moraes. Neste ranking estamos como os professores da universidade mais citados.
Esse sucesso se dá graças ao trabalho consistente que dedicamos ao longo dos anos, o que nos permitiu acessar um aporte financeiro importante, que, por consequência, permite manter o alto padrão das pesquisas e uma equipe extremamente qualificada e competente, que, atualmente, é composta por cerca de 50 pessoas. Somado a isso também temos apoios nacionais e internacionais, como do Ministério da Ciência e da Tecnologia via Secretaria de Inclusão Social; Secretaria de Desenvolvimento de Produtos; CNPQ e Ministério da Educação; Fapergs e empresas privadas; e outras entidades de fomento como a Capes.
- E atualmente, com o retorno do governo que possibilitou o início dessa ideia, existe uma nova aproximação que segue os passos do que foi feito no início da década de 2000?
- Em 2008 montamos um projeto para utilizar a água salobra – rica no nordeste -, que é pobre em potabilidade. No geral, tem-se este recurso como algo ruim, mas aplicando alguns processos ele pode ser muito bem aproveitado. Na época, apresentamos ao Ministério da Ciência e Tecnologia, do então ministro Eduardo Campos, um projeto para transformar a água em proteína. A ideia acabou indo para agência nacional de águas, mas eventualmente a coisa não andou. Com a chegada do Lula à presidência novamente, os técnicos do ministério lembraram dessa proposta e entraram em contato conosco, perguntando se tínhamos interesse.
Em junho fomos recebidos pelo secretário de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, Inácio Arruda. Essa conversa foi muito legal, apresentamos a proposta de um projeto transversal incluindo quatro estados do nordeste onde colocaríamos o que temos na universidade, mas em escala maior. Seriam quatro plantas de criação de microalgas e, em cada estado, faríamos ou uma planta de combate à fome ou de produção de alimentos, uma de criação de biofertilizantes, uma de produção de fármacos e uma de crescimento de biomassas.
Dessa forma seria possível usar a água salobra, além de termos uma biomassa de spirulina; como efeito resultante desse processo teríamos, também, a diminuição de gases do efeito estufa, com água potável no fim de toda essa cadeia. Além disso, a implementação desse projeto promove direta e indiretamente a criação de empregos e geração de renda. Essas ideias chegaram até a ministra Luciana Santos e, em meados do mês de outubro, fomos convidados para participar da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, sediada em Brasília.
Representando a FURG fomos: eu, a professora Michele Moraes, a professora Luisa Moraes e o professor Gabriel Rosa. Lá montamos um estante; levamos reatores daqui para mostrar como funciona o processo, além de spirulina em pó e em alimento. Fruto disso é que estamos em etapa adiantada para tornar este projeto uma realidade, dando continuidade ao embrião de toda essa história que é continuar contribuindo para o combate à fome e à miséria.
- Com todo este trabalho, como você enxerga a volta do Brasil ao mapa da Fome?
- Desde que foi criado o mapa da fome, o Brasil historicamente aparecia entre as nações ali listadas. Não que a gente não tenha produção de alimentos: a gente tem, mas é exportada; não que falte área pra cultivar: isso tem de sobra também; mas o que acontece é uma falta de interesse e de políticas públicas. Por muito tempo, nunca se deu a devida prioridade para o combate à fome e à insegurança alimentar. Há pouco mais de dez anos a gente conseguiu sair do mapa da fome, mostrando que é possível lograr sucesso nessa luta, desde que exista o envolvimento de todos agentes públicos trabalhando em conjunto. E nesse sentido, a Ciência e a Tecnologia têm muito para contribuir.
É por meio da ciência e da tecnologia que conseguimos aumentar produtividade, diminuir desperdício e diminuir os custos de produção; mas para que isso seja exequível, é necessário o incentivo do governo.
Durante os quatro anos de governo da última gestão administrativa do país, o que se observou foi o desmonte total das instituições públicas do Brasil, sem medir as consequências que isso traria, principalmente, para as parcelas mais vulneráveis da sociedade. Nesse desmonte inclui-se a ciência e tecnologia do país.
E esse impacto é negativo em tudo: na ciência, nas pessoas, na educação... Comer é um direito básico de todo ser vivo, independente se é humano ou animal. Chegar ao número de mais de 33 milhões de pessoas abaixo da linha da miséria é uma tristeza nacional para um país que, no passado, moveu grandes esforços para ser referência no combate à fome.
Nesse sentido, agora com um cenário de retomada de investimentos e realocação de prioridades, o curso de Engenharia de Alimentos e o Programa de Pós-graduação em Engenharia de Alimentos da FURG, estão contribuindo muito nesse processo, como já vem fazendo por muito tempo.
Nós desenvolvemos super alimentos com a ajuda de microalgas e esperamos que, com os devidos incentivos, possamos trazer novamente o país para níveis dignos que uma nação deve ter em relação ao alimento disponível e à dignidade de seus cidadãos.