Nesta terça-feira, 12, a reitora Cleuza Dias emitiu carta à comunidade em que fala sobre pertencimento institucional e as contribuições da FURG para o desenvolvimento da região, presta solidariedade aos membros da comunidade acadêmica que recentemente foram alvos de constrangimento e perseguições públicas em decorrência do exercício de suas funções e atribuições no contexto da universidade, defende a liberdade de cátedra e a autonomia universitária, e reafirma sua relação amorosa com a FURG ao longo de mais de 25 anos dedicados à instituição. Leia abaixo na íntegra.
UMA CARTA DE AMOR À FURG
No último dia 9, presenciei um emocionante e contundente discurso paranínfico durante a cerimônia de colação de grau dos cursos de Direito de nossa FURG. A professora Simone Grohs Freire traduziu com maestria um sentimento coletivo experimentado, certamente, por grande parte da comunidade universitária: o amor pela FURG.
Esta carta que ora escrevo, peço que a recebam imbuídos deste espírito: não é uma nota de esclarecimento, tampouco de repúdio. É uma carta de amor pela FURG. Minha trajetória de mais de 25 anos de FURG me permite uma relação amorosa pela instituição em que, no momento, estou à frente, mas principalmente pelas pessoas com quem convivo há tantos anos. E o respeito pelo trabalho dessas pessoas, sejam servidores, terceirizados ou estudantes, tem sido um dos maiores frutos que venho colhendo.
No ano em que nossa universidade completa 50 anos de existência, somos convocados à reflexão criteriosa sobre sua presença e atuação em todos os espaços em que se insere. Mas, como se trata de uma carta de amor, permitam-me ser arrebatada pela paixão que me toma pela Universidade Federal do Rio Grande e defender, com um entusiasmo e paixão quase juvenil, a instituição que me acolheu nos idos anos 90, em que fiz minha graduação, exerci o cargo de diretora do CAIC, de pró-reitora de graduação e, com muita honra, fui eleita e reeleita pela comunidade universitária a primeira mulher reitora da FURG.
Nossa Universidade vem sendo alvo de discursos levianos de intolerância e de ódio, que tentam desconstruir e desconsiderar o trabalho comprometido e legítimo realizado por inúmeras gerações de pesquisadores, professores, técnicos e estudantes desde sua fundação. A necessidade de defender sua autonomia didático-pedagógica, a livre expressão e a produção do conhecimento em todas as áreas e sobre todos os temas sociais parecia para muitos de nós pauta vencida. No entanto, o retrocesso bate a nossa porta com insistência. A discussão sobre a legitimidade e a relevância de determinados temas de pesquisa têm saído do campo acadêmico especializado e ganhado lugar em discussões pouco, ou nada, fundamentadas nas questões do rigor científico, da responsabilidade social e territorial e da construção de uma Universidade socialmente referenciada.
Uma Universidade pública, amigos e amigas, precisa assegurar às pessoas que fazem parte dela que terão a garantia de realizar suas pesquisas e projetos com autonomia e qualidade, independentemente de interesses econômicos, políticos ou religiosos. Seu compromisso, ao fim e ao cabo, é com o cumprimento de seu incomparável papel social para o crescimento e desenvolvimento da sociedade, seja no município, seja na região, seja no país.
Impressiona-me demais o fato de que vivemos um tempo novo em que as informações são tão rápidas quanto voláteis. A inconsistência daquilo que é transmitido e compartilhado em redes sociais assusta cada dia mais. E o pior: essas (des)informações sem pé nem cabeça, como diriam os mais antigos, ganham corpo, se consolidam e, quando vemos, notícias mentirosas, maldosas e a serviço dos interesses de determinados grupos sociais se cristalizam. Mais que isso: essas notícias limitadas ao senso comum têm o forte propósito de depreciar não só a instituição, mas as pessoas, os gestores, os professores, os estudantes que, efetivamente, são aqueles que movimentam a Universidade. É como nos disse Bauman, em 2015: “Quem dera fosse tão fácil assim isolar a internet. Mas isso é algo impensável. Aconteceu, ela está aqui, e é impossível voltar atrás. O grande problema, muito mais difícil, é como empregar as possibilidades fornecidas pelas novas informações virtuais a serviço da educação, e não contra ela.”
Nesse sentido, me solidarizo com aqueles e aquelas que estão sofrendo constrangimentos e perseguições públicas por estarem exercendo seu trabalho em nossa FURG, em total acordo com o que preconizam a liberdade de cátedra e a autonomia universitária. Saibam que não medirei esforços na defesa das liberdades essenciais ao ensino e a nossa comunidade. Somente estes dois elementos, liberdade de cátedra e autonomia universitária, são capazes de garantir o pleno exercício do ensinar e do aprender. Saibam mais: qualquer interferência externa que ameace a liberdade pedagógica e a liberdade de pesquisa será veementemente repudiada e contestada.
Isto, estes ataques infundados e levianos, infelizmente, não são um privilégio apenas de nossa FURG. Universidades públicas em todo o território nacional, em maior ou menor escala, têm sentido os reflexos de discursos sexistas, misóginos, homofóbicos, fascistas e retrógrados. E isso tem uma razão, claro: a universidade, desde o seu surgimento na Idade Média, sempre foi o locus da diversidade de ideias e da manifestação do pensamento crítico. Desde então, cada universidade com suas particularidades ocupa um espaço privilegiado de debate profícuo na sociedade e, a despeito de posições ideológicas de seus gestores e gestoras, empenha um visível e concreto esforço por melhorar tanto o quadro socioeconômico do país, quanto o cenário educacional para todos e todas, por meio da implementação de políticas públicas que compreendem a educação como um bem irrevogável da sociedade.
Nessa linha, nossa FURG atingiu um patamar de crescimento bastante importante em seus 50 anos de história: nos últimos anos cresceu em número de estudantes, de servidores, de prédios, de campi, de pesquisas e de projetos, sem esquecer de mencionar a responsabilidade com atenção à saúde, com a ação do Hospital Universitário, único em atendimento 100% SUS do município. Sua visibilidade nacional e internacional se ampliou, alcançando o reconhecimento de importantes instituições, civis e militares, que destacam suas contribuições, nas mais diversas áreas, para a sociedade. Comentários irresponsáveis e, repito, levianos tentam, mas não conseguem, desqualificar o brilhantismo da atuação de nossa universidade.
A FURG que temos hoje, amigos e amigas, é uma Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade e que se quer cada vez mais Popular e Diversa, para todos e todas. É uma Universidade para se orgulhar. Uma Universidade para se orgulhar e para se amar. E sabem por quê? Porque a FURG não é um prédio, não é apenas ferro e concreto. A FURG não se constitui apenas de muros e paredes. A FURG somos nós e nós somos e fazemos a FURG. E esse fenômeno, talvez ainda não estudado pelos bancos acadêmicos, pode ser explicado não pela Ciência, mas pela Poesia de uma das maiores vozes que a língua portuguesa conheceu: “Transforma-se o amador na coisa amada”. (Luís de Camões). Quem está ou esteve aqui sabe bem a que me refiro: somos uma parte e somos o todo dessa instituição.
Cleuza Maria Sobral Dias
(reitora da Universidade Federal do Rio Grande)
12/02/2019