A Universidade Federal do Rio Grande (FURG) sediou no Cidec-Sul, desde quarta-feira, 28, o Encontro Regional dos Pescadores e das Pescadoras Artesanais da Lagoa dos Patos, atividade que é parte do projeto de extensão "ValorizAção da Pesca Artesanal Tradicional da Lagoa dos Patos/RS" e conta com a participação de pescadores e pescadoras artesanais de 44 comunidades pesqueiras situadas nos 14 municípios do Estado que têm a Lagoa dos Patos como território tradicional. São em torno de 80 pescadores e pescadoras que debateram seus problemas propondo mecanismos para defesa de seus direitos. O evento estendeu-se até esta sexta-feira, 30.
Segundo a coordenadora do projeto de extensão, professora do Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (Iceac) Liandra Caldasso, é discutindo nesse evento a proposta de criação de um protocolo de consulta, que é um instrumento que está previsto dentro da OIT 169, da qual o Brasil é signatário, onde está incluída a defesa dos povos e comunidades tradicionais. "A ideia é que a gente consiga conhecer todas as comunidades pesqueiras, e não só aqui do estuário, ele é de toda a Lagoa dos Patos. Depois de acompanhadas, conhecidas e identificadas essas comunidades, a gente faça, então, um protocolo de consulta livre e esclarecido para que possam defender os territórios e os modos de vida deles. Então, a grande proposta do projeto é que a gente possa, depois dessas rodadas todas de trabalho de campo, identificar os principais conflitos e os problemas que as comunidades vivenciam e quais são os grandes empreendimentos que ameaçam os territórios deles. Hoje temos algumas ameaças, que têm impacto em toda a Lagoa dos Patos se forem implementadas como, por exemplo, a ideia de energia eólica. Para os pescadores artesanais é um grande impacto, porque afeta toda a produção deles, todo o modo de vida. Se eles têm um protocolo, é previsto que eles sejam consultados com relação à proposta de instalação do parque eólico. Então, é isso que a gente está discutindo aqui", explica a professora. Feito o protocolo e validado com os pescadores, o documento deverá ser apresentado para prefeituras e universidades, entre outros órgãos. Neste caso, a FURG serve para dar apoio para as comunidades.
A professora Tatiana Walter, do Instituto de Oceanografia (IO-FURG SLS), que também atua na coordenação do projeto, diz que o encontro é um evento de culminância. "A gente tem, ao longo de um ano e meio praticamente, trabalhado com as comunidades, com os movimentos sociais da pesca e com as comunidades de pescadores num processo de autorreconhecimento como povos e comunidades tradicionais. Ao se reconhecerem, isso possibilita que elas tenham acesso a alguns direitos enquanto comunidades tradicionais. Então, é importante mapear o território dessas comunidades, tanto o território aquático, quanto os territórios de moradia, uma vez que esses territórios sofrem uma série de conflitos, uma série de ameaças. Nesse momento, temos um processo de elas se conhecerem entre si. Estamos falando de comunidades de municípios de toda a Lagoa. São comunidades, mas que integram um único povo e interagem, entendendo que uma série de problemas são comuns quanto à defesa do seu território. Então, chegamos nesse momento como um momento de fechamento e de integração, porque, até então, trabalhamos comunidade a comunidade. Agora não, temos aqui presentes os 14 municípios da Lagoa. representados por 44 comunidades, daí a importância do projeto, destaca Tatiana Walter. Ela também afirma que para FURG é muito especial ter 80 pescadores e pescadoras ocupando a Universidade, que é focada nos ambientes costeiros marinhos, referenciada socialmente, pública e gratuita. As professoras Liandra Caldasso e Tatiana Walter, atuam na coordenação Laboratório Interdisciplinar MARéSS (Mapeamento em Ambientes, Resistência, Sociedade e Solidariedade) da FURG e também representam a Universidade no Fórum da Lagoa dos Patos.
Protocolo de consulta
Sobre a importância do evento, o coordenador do Fórum da Lagoa dos Patos, Nilmar Conceição, também integrante do projeto do MARéSS da FURG, diz que as comunidades sempre ouviram falar do protocolo de consulta, pois já existia em outros lugares. "A gente foi buscar informações justamente com o pessoal do MARéSS e hoje o protocolo está se tornando uma realidade, com 44 comunidades da Lagoa dos Patos visitadas, catalogadas e que participam desse importante evento", afirma. Conceição também citou os desafios que a categoria que vive da pesca tem enfrentado. "Viemos de duas enchentes seguidas. A gente estima o quanto deveria estar recomposto o solo, o chão da Lagoa, mas essa recomposição não ocorreu. Não encontramos limo nas redes e isso é um mau indicativo, pois se trata de alimento da natureza para os peixes. Temos encontrado sim é muita lama na Lagoa dos Patos. Outro desafio muito sério, que talvez a academia e a sociedade não saibam, é o preço do pescado pago ao pescador. Há um déficit muito grande. Por exemplo, o preço da tainha é R$ 3,00 o quilo para o pescador. Se você vai no mercado hoje é R$ 20 R$ 30 para o consumidor. Então nós temos uma defasagem muito grande e isso precisa ser estudado também", frisa Nilmar Conceição.
A pescadora Denise Miranda, moradora da Ilha da Torotoma, diz que o evento foi muito proveitoso para as mulheres que atuam na pesca, por muito tempo foram excluídas dos movimentos e que por muitas vezes se excluiram por não participar de reuniões e da criação de leis, entre outras questões. "A gente tinha que aceitar essas leis porque a gente não tinha voz. Nos dias atuais, a gente começa a ser muito procurada para opinar e para participar dos eventos. Temos mulheres que estão, cada dia mais, crescendo no meio da pesca e isso é muito importante para a categoria. Começamos a ter visibilidade, mais coragem e autonomia de fala para de protestar quando não concordamos com alguma proposta ou quando as leis não pensam em nós. Esse evento traz isso, muito de fala, muito de pertencimento, de a gente se enxergar dentro do nosso território. Sou da Torotama, minha comunidade é uma comunidade tradicional de pesca e moro nesse território, esse território é nosso, a gente tem que valorizar e pertencer a ele", afirma Denise.
Viviane Alves, pescadora da Ilha dos Marinheiros, diz que esse tipo de encontro é necessário para alinhar ideias, mas segundo ela, ainda falta muito. "Hoje estamos usando um espaço que também é nosso, mas também queremos espaço para nossos filhos. Precisamos que eles adentrem esse espaço. Somos de comunidades tradicionais que são distantes e nossos filhos precisam ter acesso a universidade, porém não temos transporte público e fica difícil para nós, pais e mães, mantermos nossos filhos na cidade, pois precisam ter um lugar para morar e pagar aluguel. Nesse sentido, ainda nos falta melhorar muito", afirma a pescadora.
Sobre o MARéSS
O MARéSS é um laboratório interdisciplinar que busca entender os sistemas socioecológicos marinhos, integrando conhecimentos de ecologia, biologia, oceanografia, antropologia, sociologia e economia. As linhas de pesquisa incluem ecologia e conservação de ecossistemas marinhos; dinâmica de populações e comunidades marinhas, impactos humanos sobre os ecossistemas marinhos e desenvolvimento sustentável e governança de recursos marinhos. Também desenvolve projetos de extensão e transferência de tecnologia, buscando contribuir para a gestão sustentável dos recursos marinhos e a melhoria da qualidade de vida das comunidades costeiras.