DIREITOS HUMANOS

Aula Magna dos cursos de Direito e Relações Internacionais da FURG debate gênero e raça no contexto migratório brasileiro

Evento multicampi ocorrido na quarta-feira, 4, marcou o encerramento da Acolhida Cidadã de ambas graduações

Photograph: Reprodução/YouTube

Na contramão do cenário social atual, no qual se observam opiniões polarizadas acerca de questões identitárias nas redes sociais digitais – e onde têm sido bastante difundidas expressões como “mimimi”, “vitimismo”, “cancelamento”, etc., os cursos de Direito e Relações Internacionais da FURG, fazendo uso das mesmas tecnologias, promoveram importante reflexão acadêmica sobre os atravessamentos de gênero e raça no processo de migração nacional. A aula magna, com o tema “Imigração e o discurso seletivo dos direitos humanos”, foi ministrada remotamente pela professora dos Programas de Pós-graduação em Direito e Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Karine de Souza Silva.

Com extensa titulação na área e experiência extensionista, a pesquisadora iniciou sua fala problematizando a ambivalência que constitui o campo do Direito, isto é, como essa área do conhecimento, enquanto produtora de identidades e subjetividades, “pode ser um instrumento de emancipação, mas também pode figurar como um mecanismo de opressão”. Amparada teoricamente nos estudos pós-coloniais e no feminismo decolonial, destacou as críticas ao pensamento ocidental moderno, que instituiu a ideia de um “outro” inferiorizado, servindo para validar o projeto europeu de colonizar, traficar e escravizar povos não-brancos.

No caso brasileiro, cenário da “maior tragédia de mobilidade humana forçada, que foi o tráfico atlântico”, a intelectual evidenciou, a partir de excertos da legislação vigente na época, que o Direito deu suporte à escravidão e a todas as experiências a ela relacionadas, como estupros, assassinatos, cerceamentos de liberdades individuais e exploração de trabalho. Em um mesmo período histórico, ressalta, o Direito atuou de maneira distintiva para negros e brancos: “as pessoas africanas eram pessoas migrantes, que foram exploradas e consideras objetos pela lei brasileira. [...], por outro lado, as pessoas brancas, quando vieram ao Brasil, tinham direito de integrar família, direito à salário, à educação e ao reconhecimento de sua religião”.

Ao longo de sua fala, a palestrante destacou ainda a importância de se compreender os corpos como instrumentos políticos, haja vista que os marcadores sociais da diferença, como gênero, raça, sexualidade, nacionalidade, etc., impactam diretamente nas experiências migratórias. Dados atuais do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), expostos durante o evento, evidenciaram que homens brancos migrantes de países do norte global ocupam os postos mais altos de trabalho no Brasil. As mulheres vindas desses mesmos lugares, em contrapartida, recebem menos que seus compatriotas e, ao mesmo tempo, são melhor remuneradas que mulheres vindas de países do sul global.

Diante dessa realidade, a professora Karine finalizou sua exposição chamando atenção para necessidade de se buscar caminhos para uma agenda reparatória, que considere essas imbricações de gênero e raça para a promoção de uma efetiva justiça social, racial e de gênero: “Eu finalizo minha fala, reivindicando uma nova gramática de direitos humanos, que seja realmente emancipatória, inclusiva, pluriversal e que seja, sobretudo, capaz de reconhecer a dignidade plena de todos os corpos”.

Para a coordenadora do curso de Relações Internacionais, professora Gabriela de Moraes Kyrillos, a aula magna, promovida conjuntamente pelos cursos de Direito e Relações Internacionais da FURG, demonstrou a possibilidade de se construir diálogos interdisciplinares a partir de temas comuns às duas áreas. “É realmente muito importante ter esse momento de retorno à presencialidade, mantendo, ao mesmo tempo, essa possibilidade de encontros online e, nesse sentido, trazendo temas que são importantes, tanto para a formação em Direito como em Relações internacionais. Afinal de contas, as questões de raça e gênero perpassam e estruturam o campo de atuação de juristas e internacionalistas e precisam compor parte da formação acadêmica e profissional, sendo importantes também, para além da formação técnica, na formação cívica, humana e sociopolítica de nossos estudantes”.

A acadêmica do sétimo semestre de Relações Internacionais, Ríllari Ferreira Castro e Silva, investiga essas questões e acompanha a produção intelectual da pesquisadora da UFSC há algum tempo. “Ouvir a professora Karine é sempre transformador. Toda vez eu fico com a cabeça borbulhando de ideias e questionamentos”. Para a estudante, o debate promovido pela aula magna a fez refletir sobre a guerra atual entre Rússia e Ucrânia, contexto em que se multiplicam relatos de racismo sofridos por imigrantes negros, impedidos de deixarem as áreas de conflito. Ainda de acordo com a discente, atividades acadêmicas como estas oportunizam análises críticas sobre o próprio campo de conhecimento no qual está inserida: “Essas questões precisam ser trazidas de forma que a gente consiga ver o quanto normativas sustentam violências. Ainda que elas busquem ultrapassar, muitas dessas violências ainda perpetuam”.

A aula magna dos cursos de Direito e Relações Internacionais da FURG foi uma promoção conjunta das coordenações e diretórios acadêmicos de ambas graduações e está integralmente disponível no canal do YouTube do Diretório Acadêmico de RI.