INCLUSÃO

Uma feira para todos os públicos: conheça as iniciativas de acessibilidade presentes na Feira do Livro da FURG

De mapa tátil a aplicativo e experiências que possibilitam exercitar a alteridade

Foto: Hiago Reisdoerfer/Secom

Quem chega na Feira do Livro da FURG pela avenida Rio de Janeiro, encontra, logo na entrada, um mapa do local. À primeira vista, um mapa normal de localização para eventos: informa onde ficam os banheiros, a praça de alimentação e os espaços da feira. Mas com um olhar – ou toque – atento, se percebe o diferencial: o mapa é tátil e permite que pessoas com deficiência visual possam se localizar na praça Didio Duhá, onde ocorre a feira.

Do mapa para os outros locais o deslocamento é feito em um piso nivelado, com tablados sobre o chão da praça. A estrutura facilita a mobilidade de cadeirantes, idosos, carrinhos de bebês. Para as pessoas com deficiência visual, além do tablado, há o piso podotátil. Essa estrutura não é novidade: esta é a terceira edição da feira que a inclui. Mas no ano em que o tema da feira celebra a acessibilidade e inclusão, a universidade tem mais a oferecer ao público com deficiência. O mapa tátil é uma das novidades, além de um aplicativo para telefone.

Acessibilidade no celular

Com a busca “Feira do Livro FURG” na loja de aplicativos de celulares com sistema Android, o usuário encontrará um app que oferece notícias sobre a feira e a programação diária habilitada para leitores de tela. Em uma lupa de pesquisa, estão disponíveis áudios com uma explicação do caminho a ser percorrido para chegar a cada um dos principais pontos da Feira, também para facilitar o deslocamento de pessoas com deficiência visual. Em frente às bancas dos livreiros há um totem com um QR code, com um texto disponível também em braile. O aplicativo, ao ler o código, identifica a banca e os tipos de obras comercializados.

Em versão experimental, o aplicativo é resultado de uma experiência desenvolvida em sala de aula na FURG. A professora Regina Barwaldt, do Centro de Ciências Computacionais, ministra em conjunto com o professor Pedro Botelho, uma atividade integradora curricular, o que quer dizer que os estudantes devem desenvolver projetos aplicando os conhecimentos adquiridos em todas as outras disciplinas cursadas durante o ano. A proposta inicial foi um aplicativo para a semana acadêmica do centro, mas a notícia correu na universidade e logo veio o pedido para que fosse adaptado à Feira do Livro, um dos principais eventos da instituição. A partir de então, houve a colaboração do Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai) no projeto e também do grupo de pesquisa coordenado por Regina, o InfoEduc.

Resultado de um trabalho coletivo, o aplicativo, para os desenvolvedores, é um primeiro passo, já que o grupo já mira no aperfeiçoamento para o próximo ano: “É a primeira versão, a gente vai atualizar, incluir outras funcionalidades. Dentro desse contexto de acessibilidade e tecnologia a gente foca em todas as pessoas, ou seja, no desenho universal. Queremos que todo mundo se sinta confortável em navegar, em encontrar as coisas. Acredito que a versão 2 vai estar mais interessante e bacana, a gente já está com o desafio para 2021”, conta a professora Regina. Ela faz o convite para que as pessoas baixem e testem o aplicativo durante a feira: “A gente gostaria que as pessoas baixassem e experimentassem, deixassem seus comentários. A gente vai coletar e analisar o que se pode melhorar, porque nada melhor que o público experienciando e utilizando”. Entre as melhoras previstas, o desejo de incluir o app também para o sistema operacional iOS em sua próxima edição.

Mapa tátil  

O mapa tátil que dá as boas-vindas ao público da Feira também se trata da adaptação de outra experiência bem-sucedida. O professor Everaldo Arashiro, um dos coordenadores do Laboratório Ciência 3D Impressa da FURG, ligada ao Instituto de Matemática, Estatística e Física, relata que no início de 2019 o grupo desenvolveu um mapa tátil para a biblioteca da universidade. Depois de testar vários protótipos, o produto final foi apresentado em um evento promovido pelo Neai, o 11º Encontro de Diversidade.

Aí surgiu a provocação: “Motivados pelo tema central da Feira, que é Acessibilidade e a Inclusão, surgiu a ideia de ser feito o Mapa Tátil da Feira do Livro, ideia que foi apoiada pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura”, lembra Everaldo, que relata que o trabalho foi desenvolvido ao longo do mês de janeiro, com o envolvimento, além do professor, do bolsista Gutemberg Conrado e dos bolsistas do Neai Ivandro Heckler e Adilson J. P. Junior, numa experiência interdisciplinar.

O mapa tem a superfície em acrílico e a estrutura em relevo foi feita em impressão 3D. A legenda, com textos em braille, foi feita com pontas arredondadas metálicas. O mapa também tem recursos para permitir a pessoas com visão a orientação espacial no evento.

Alteridade na prática

Os bolsistas Ivandro, acadêmico do último ano de Engenharia Civil, e Adilson, estudante do 6º semestre de Engenharia Civil Costeira e Portuária estão todos os dias na Feira, no estande do Neai. Ali, além de divulgarem o aplicativo com os colegas de núcleo, eles realizam oficinas em que a alteridade é vivida ao extremo. As pessoas são convidadas a colocar vendas e andar pela Feira com guias, para sentir na pele como é se locomover sem poder enxergar. “Nas edições anteriores a gente fazia essa oficina na Rua das Crianças. A ideia que o pessoal tinha é que era para crianças fazerem. Agora que a gente está nesse local mais central tem muito mais pessoas adultas fazendo”, explica Adilson. Ivandro completa: “As crianças encaram mais como uma brincadeira, mas os adultos dão retorno. Falam: ah, é interessante mesmo se colocar no lugar do outro. A gente vê que não é tão fácil assim”.

Em outras duas oficinas do Neai as pessoas podem andar em cadeiras de rodas e aprender sobre a escrita em braille, a partir de tecnologias assistivas. “Como a Feira tem o tema acessibilidade, a gente tentou incluir o máximo de estrutura para que de fato preze pelo tema que tem. E o aplicativo foi uma das ideias”, conta Ivandro.

 Outra das experiências para se colocar no lugar do outro é a exposição permanente Nanismo: uma experiência à altura. Localizada também logo na entrada da Feira, ela surpreende o público com uma cadeira e uma escada gigantes. É para que pessoas com altura média (de 1,70) possam compreender como as coisas do cotidiano são vivenciadas por pessoas com nanismo. Paineis mostram fotos de situações dificultadas ao não se pensar em acessibilidade em situações comuns: no supermercado, no elevador, no caixa eletrônico. E apresentam soluções simples para facilitar uma convivência democrática nos espaços públicos e privados.

Música e inclusão

O pró-reitor de Extensão e Cultura da FURG, Daniel Prado, destaca que as feiras do livro da FURG têm se consolidado como um espaço de discussão de políticas públicas. Nesta edição, como não poderia deixar de ser, boa parte delas dedica-se aos direitos das pessoas com deficiência, em rodas de conversa e outras atividades, inclusive as culturais.

No último domingo, 2, a feira encerrou em alto astral com o show Vagnotreta e Convidados: Acessibilidade e Inclusão. O músico que nomeia a banda convidou dois cantores com deficiência visual para integrar o show, Fernando Neto e Ully. O cantor já tinha se apresentado anteriormente na FURG, durante o encerramento da 18ª MPU, que acabou com uma emocionante e inusitada participação espontânea do estudante cego do curso de Letras-Espanhol, Fernando. O evento foi tão marcante para o artista que ele decidiu repetir a dose durante a feira: “O encerramento da MPU foi muito legal mesmo – não porque eu estava cantando, mas pelo todo mesmo. Eu conversei com o Fernando lá, descobri algumas coisas sobre ele e fiz questão de manter contato com ele. Quando rolou o convite para tocar na Feira do Livro e eu soube que o tema era acessibilidade e inclusão, eu não achava justo eu vir aqui sozinho, ainda mais com o histórico do que aconteceu na FURG”.

Para ele, representatividade é essencial no processo de acessibilidade e inclusão e por isso foi atrás de outros cantores deficientes visuais na região. “É importante mostrar que independente dos caras serem cegos ou não, o fato é que eles têm talento, eles podem trabalhar com a arte, então acho que no momento que eu consigo colocar essa galera em cima do palco, eu consigo fazer as pessoas pensarem um pouco e acessibilidade é isso. Eu tento ter o máximo de músicos negros comigo em cima de palco e acho que é isso que é importante: mostrar a diversidade”, afirma o músico.

Programação desta terça-feira

A Arena Cultural sedia três rodas de conversa relacionadas à temática da acessibilidade. Às 19h sobre Projeto Constela Rio Grande; às 20h sobre Acessibilidade para os surdos na justiça; e às 21h relatos e experiências na perspectiva de uma educação inclusiva e acessível.  Às 22h30, a Arena recebe o show musical com Natalia Guastaci e Seven Trio.

No Espaço Literário, às 19h ocorre a roda de conversa Diálogo Inter-religioso e às 21h30 serão lançados os livros comemorativos aos 50 anos da FURG. Cinquentenário da FURG: uma história das políticas institucionais da Universidade Federal do Rio Grande ao longo dos seus cinquenta anos, de autoria de Francisco das Neves Alves e Luiz Henrique Torres, e Relicário fotográfico: a FURG em 50 anos, das autoras Teresa Lenzi, Sandra Saro e Ana Luisa Dresch.

A programação do Espaço Plural inicia às 18h, com Conversas Literárias e o projeto Socializando a Leitura, do ILA, em seguida, às 20h do Movimento em Defesa da Educação.

Na Rua das Crianças as atividades iniciam com a contação de histórias Corre, Curumim, a cargo de acadêmicos do curso de Biblioteconomia, às 19h. Às 20h é a vez de Canção dos Bichos, da Gestão Ambiental da BR 116/192, e às 21h haverá jogos educativos com o grupo Semente Olímpica.

A Feira do Livro da FURG acontece até o dia 9 de fevereiro, na Praça Didio Duhá, no Balneário Cassino. A programação ocorre sempre à noite, a partir das 19h.

 

 

Galería

No centro da foto estão duas estruturas de madeira. Uma delas é uma escada de três degraus e corrimão, e a outra é uma cadeira alta. Entre elas, há um painel de cor branca com cartazes e um vaso com plantas. Ao fundo do cenário, pode-se ver alguns estandes da Feira do Livro da FURG.

Há desde mapa tátil a aplicativo e experiências que possibilitam exercitar a alteridade

Hiago Reisdoerfer/Secom