POVOS ORIGINÁRIOS

“Os povos indígenas resistem pela sua força e sabedoria histórica”

Professor da FURG-SVP publica livro em homenagem ao líder indígena Raoni

O livro “Direitos Indígenas nas Nações Unidas – para uma atualização nas relações internacionais” foi publicado em 2021 e é dedicado ao líder indígena Raoni – indicado ao prêmio Nobel da Paz em 2020, e uma liderança indígena de prestígio internacional. O autor da obra é o professor do curso de Relações Internacionais da FURG Campus Santa Vitória do Palmar, Antônio Guimarães Brito.

Sobre a obra

O livro “Direitos Indígenas nas Nações Unidas – para uma atualização nas relações internacionais” trata sobre a criação do Fórum Permanente para questões Indígenas dentro do quadro das Nações Unidas (ONU), desde seu processo de origem na década de 70. Aborda também os 30 anos de trabalhos e discussões para criação do Fórum, a Declaração dos Povos Indígenas, o movimento dos povos originários no Brasil, a importância da inserção da antropologia nos cursos de Relações Internacionais, uma atualização do Fórum Permanente após 20 anos de criação e temas internacionais ligados aos povos indígenas, envolvendo conflitos, genocídios e no caso do Brasil, em especial, a questão do garimpo em terras indígenas.

A publicação teve contribuições especiais de algumas personalidades que dedicaram palavras ao cacique Raoni , como do ator Marcos Palmeira, que já teve por um período no parque nacional do Xingu e é ligado ao tema indigenista; da Joenia Wapixana, primeira mulher indígena eleita deputada federal de Roraima; do antropólogo da Universidade Federal de Pelotas, Jorge Eremites de Oliveira; de Felício Pontes, procurador regional do Ministério Público no Pará , onde descreve um relato feito ao lado de Raoni destinado ao presidente da França; de Toni Lotar, vice-presidente da Fundação Darcy Ribeiro e articulador da indicação do cacique Raoni ao prêmio Nobel da Paz. A publicação conta ainda com palavras do Papa Francisco I e da monja zen budista Coen. A apresentação da obra é feita pelo professor da FURG jurista e internacionalista, Felipe Kern Moreira.

Interessados podem adquirir a obra pelo link.

Sobre o autor

Brito é Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC (2010). Mestre em Direito na área de concentração em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC (2004). Professor Associado II na Universidade Federal do Rio Grande. Pesquisa Antropologia do Direito, Antropologia nas Relações Internacionais, Direitos Humanos e Diversidade, Pensamento Decolonial Latino Americano, Ecologia Política, Pachamama. Tema central: Civilização e Barbárie. Foi professor nos cursos de graduação em Direito e Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa (2015 a 2018)) e nos cursos de Direito e Relações Internacionais e no Programa de Mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal da Grande Dourados (2010 a 2015). Coordenador do projeto Internacional edital Abdias Nascimento/CAPES Brasil e Equador (2016) e membro do projeto internacional edital AULP/CAPES Moçambique (2014). Escritor, romancista.

Entrevista

Professor Antônio concedeu uma entrevista à Secretaria de Comunicação (Secom) da FURG para divulgar a obra e também para relatar suas percepções a respeito dos povos originários, a defesa do território indígena, o papel do Estado na garantia da terra e também da vida frente ao combate à covid-19; como a universidade se mostra um espaço para a reflexão e o debate desses temas e quais são as expectativas de futuro para os povos originários. Confira a entrevista abaixo.

Sendo um estudioso da área e com livros publicados sobre o tema, como o senhor avalia o desempenho do governo com os povos indígenas? Tanto no que tange a questão do garimpo, como também da proteção desses povos na pandemia de covid-19?

Os povos indígenas vêm sofrendo uma imensa violação contra seus direitos, que são protegidos pela Constituição Federal. Nos dois últimos anos foram destratados em relação a pandemia da covid-19, ao ponto que já existem denúncias no Tribunal Penal Internacional por genocídio contra os povos indígenas no Brasil com relação a falta de proteção durante a pandemia. E em relação ao garimpo há uma manifestação declarada e pública de vontade por parte desta gestão federal de regularizar a exploração do garimpo nas terras indígenas. Inclusive um Projeto de Lei nº 191/2021 proposto pelo governo que está tramitando no Congresso Nacional para legalizar o garimpo em terras indígenas. Algo que é extremamente impactante ao meio ambiente, a Amazônia, pois o garimpo tem um poder de destruição imenso aos rios por causa do mercúrio e, ao poluir os rios, afeta e mata florestas como também contamina os peixes – que é a principal dieta alimentar dos povos indígenas.

Além disso, junto com o garimpo, historicamente sabemos que vem a violência, a prostituição, a exploração sexual, a contaminação das águas, o desmatamento, as queimadas, enfim, acarretam uma série de problemas que é extremamente degradante para a natureza, a Amazônia e aos povos indígenas. Não há nenhum escrúpulo quando se trata de garimpo e atrai um perfil de pessoas aventureiras sem nenhum preparo em relação ao contato com os povos indígenas. Um exemplo disso é o que acontece hoje na terra indígena Yanomami, onde existem vários garimpos clandestinos, que metralham aldeias, causando desnutrição, fome infantil e levando doenças. E isso as autoridades sabem e fazem vista grossa.

É Importante destacar também que é justamente dentro das terras indígenas que existem as florestas mais preservadas da Amazônia. O meio ambiente melhor preservado hoje se encontra dentro das terras indígenas, assim o garimpo se torna prejudicial, danoso e violenta completamente todos os Tratados Internacionais - que inclusive o Brasil é signatário - de proteção aos direitos dos povos indígenas, a própria Constituição, o Estatuto dos Povos Indígenas e todas as declarações de Direitos Humanos.

E sobre o a questão do Marco Temporal, que está no Supremo Tribunal Federal (STF)?

Essa questão se discute a muito tempo, com relação a terra justa e se os povos originários teriam direito às terras. Esse debate continua até hoje discutindo sobre a questão do Marco Temporal. Setores ruralistas fazem a interpretação literal de que aqueles povos indígenas que não estavam em suas terras quando foi promulgada a Constituição de 1988, não teriam mais direto ao seu território originário/tradicional. Mas isso tem que ser lido da forma adequada, de que muitos povos não estavam em suas terras porque haviam sido expulsos, foram tiradas à bala, com violência de suas terras originárias. Então, é dessa forma que tem que ser interpretado e não ao pé da letra, é um conceito largo e garantido pela Constituição pelo princípio da ancestralidade, o direito originário dos povos às suas terras.

Qual a importância diante desse cenário devastador, a universidade se mostrar como um espaço para a reflexão, debate e produção de conhecimento sobre essa temática?

A universidade é o espaço do debate, da reflexão e da crítica, e ela não poderia se furtar a ser insensível a um genocídio contemporâneo. É a função social do conhecimento e a universidade tem que cumprir seu papel de fazer com que a sociedade possa construir sua história e possa buscar espaços para um mundo melhor. É importante que este tema do direito dos povos indígenas e a violação a esses direitos tenham um espaço aberto dentro da universidade e privilegiar esta discussão pela gravidade e crueldade com que os povos indígenas são tratados no Brasil. Assim, a universidade cumpre sua função social ao promover e abrir espaço para que se debata o tema e a inclusão, a preservação e a luta pelos direitos dos povos indígenas.

As instituições de Ensino Superior precisam estar abertas a essa discussão também pela importância do conhecimento tradicional desses povos, quem tem muito a ensinar ao não índio, desde do domínio da medicina tradicional e a cosmologia desses povos. Nós temos no Brasil povos isolados, que quando se fala em indígenas se generaliza e é uma forma colonizadora de se pensar desta forma, porque há uma diversidade, são povos com culturas diversas, línguas próprias e costumes diferentes. E não estão só na Amazônia, mas também aqui no Rio Grande do Sul, desde os Guarani Mbyá, os Xokleng, os Kaingang com os conflitos no oeste do Estado, como também em Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul com os Kaiowa que tem a expectativa de vida de 40 anos e um dos maiores índices de suicídio infantil do mundo. Esses povos vivem a beira das estradas, acampados tentado a retomada de suas terras tradicionais que foram tomadas pela soja e pelo agronegócio. Então toda a complexidade desse tema tem que ser discutida na universidade.

E na sua opinião, qual seria a perspectiva de futuro para os povos originários? Toda essa discussão crescente chega de alguma forma e causa algum efeito na preservação dos povos indígenas?

Os temas dos povos indígenas estão no centro das discussões mundiais. Estados, países, a União Europeia e a sociedade civil internacional têm demonstrado uma grande atenção aos povos indígenas, principalmente os fóruns internacionais. E hoje eles estão muito bem articulados como movimento e essa articulação internacional é muito importante como instrumento para provocar uma reação nas autoridades, tribunais internos e esferas de poder. Então, existe uma pressão internacional com relação a proteção aos povos indígenas. E uma questão que vale reflexão é que os povos originários já sofreram todos os tipos de tentativas históricas para que fossem destruídos, eles já enfrentaram todos os tipos de genocídios - físicos, biológicos, aculturação forçada – e eles demonstraram historicamente uma força de resistência impressionante. Eles têm muito a ensinar como resistir, pois resistiram séculos, de todas as tentativas que foram feitas de destruição de suas culturas. Muitos povos foram extintos, mas hoje temos no Brasil quase uma população de um milhão de povos indígenas e eles demonstram uma força histórica surpreendente.

Então eu entendo que apesar de todas as ameaças os povos indígenas são capazes de resistirem, de sobreviverem e nos ensinarem muito sobre como nos relacionar com o meio ambiente, com a natureza, como podemos pensar uma outra forma de civilização mais saudável e menos tóxica, menos consumista e mais profunda, em nossa relação com o próximo e com o próprio corpo, a relação com o futuro, a vida e a espiritualidade.

Assim, apesar de todas as ameaças e violência que existem contra os povos indígenas, eles resistem pela sua força e sabedoria histórica.