JUSTIÇA CLIMÁTICA

Como (trans)formar-se em protetor do planeta desde a infância?

Professores ligados à coordenação e organização da proposta de formação continuada contam da experiência com o curso em Educação Infantil Ambiental

O curso de aperfeiçoamento “Educação Infantil Ambiental para justiça climática: crianças de um território, infâncias de um planeta” é uma proposta nacional de formação de professoras e professores para a educação ambiental com as crianças desde a educação infantil. A educação ambiental é uma das políticas educacionais implementadas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi/MEC), promotora e financiadora da iniciativa que tem na coordenação as professoras do Instituto de Educação da FURG (IE), Narjara Garcia e Ângela  Bersch. As duas são lideranças do grupo de pesquisa Ecoinfâncias: Infâncias, Ambiente e Ludicidade (diretório de grupos do CNPq), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade.

A Secadi/MEC criou uma proposta de formação continuada para profissionais das diferentes etapas da educação básica: há o curso direcionado a professores da educação infantil, dos anos iniciais, do ensino fundamental e do ensino médio. A FURG foi convidada para organizar e coordenar nacionalmente a etapa da educação infantil. O convite foi feito à Narjara por causa do seu histórico e do grupo de pesquisa que há anos promove ações formativas nessa mesma direção. “A Secadi, sabendo dessa minha referência, desse trabalho que já venho desenvolvendo, resolveu convidar para fazer isso em âmbito nacional”, conta a professora e atual coordenadora do PPGEA, único programa stricto sensu em educação ambiental de todo o Brasil

 O curso em dados e números

O objetivo é contribuir para a formação teórico-prática de docentes da educação infantil. A ideia geral é que, comprometidos em intervir com as crianças em seus territórios, os educadores promovam justiça climática e novas formas de pensar e agir em educação ambiental para a qualidade da vida na Terra. Organizado em quatro módulos temáticos, a formação totaliza carga horária de 180 horas, das quais 40 horas de aulas presenciais e 140 horas de atividades remotas, entre encontros síncronos disponíveis no Youtube e ações virtuais no AVA/FURG.

Com apoio financeiro e acompanhamento pedagógico do MEC, o curso foi lançado em 28 de setembro de 2024 e recebeu aproximadamente 2500 inscrições de professores da educação infantil e de profissionais e educadores envolvidos com a educação ambiental. Mil vagas foram distribuídas em 13 municípios-polo nas cinco regiões do país e DF. Cada polo tem um grupo de tutores que acompanha os cursistas — ao todo, 40 tutores locais. Os municípios foram selecionados considerando a atenção às localidades com histórico de desastres relacionados às mudanças climáticas e conflitos socioambientais nos territórios. Os recentes deslizamentos na Serra e as enchentes na região metropolitana do RS, por exemplo, motivaram a escolha dos municípios gaúchos. Os efeitos da exploração imobiliária, o município catarinense. Corumbá, no Mato Grosso do Sul, em consequência das queimadas. No Norte, Cametá e Mocajuba, extratores de açaí, com “uma população ribeirinha e indígena que precisa se fortalecer na luta ambiental”, detalha a professora.

São cerca de uma centena de participantes por Estado, dois Estados de cada região. Na Região Sul, são 50 vagas em Novo Hamburgo (RS), 50 em Canela (RS) e outras 100 em Camboriú (SC). Na Região Sudeste, o Rio de Janeiro (RJ) conta 100 vagas, e a cidade de Sorocaba (SP) também. Brasília (DF) dispõe de mais 100. O Centro-Oeste soma 50 vagas em Corumbá (MS) e 50 em Campo Grande (MS). Na Região Norte, recebem o curso Cametá e Mocajuba, com 50 vagas em cada cidade paraense, e Palmas (TO), com 100 vagas. São, por fim, 100 vagas na cidade de Ilhéus (BA) e mais 100 em Natal (RN), na Região Nordeste.

Além da FURG, compõem a organização do curso outros grupos de pesquisa de instituições parceiras, como o Grupo Infâncias, Tradições Ancestrais e Cultura Ambiental — Gitaka, liderado pela professora Lea Tiriba (Unirio), o Grupo de Estudos e Pesquisas das Infâncias — Gepi, liderado pela professora Hardalla Santos do Valle (UFPel), e o grupo de pesquisa do professor Alexandre Cougo da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), esses dois últimos são egressos da FURG. Secretarias municipais de educação, universidades, movimentos sociais do campo, indígenas e quilombolas, grupos de pesquisa e atuação ambiental, assim como o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) são parceiros na execução da proposta.

 Desafios e impactos

Para Narjara, foi bastante desafiador criar um curso semipresencial que contemplasse professores da rede básica do país inteiro. Afinal, como escolher os locais de encontros presenciais? Como fazer a divulgação chegar até o público central do projeto? Como motivar a participação das crianças na construção de ações e na mobilização de olhares para o território, de modo a promover justiça ambiental? Como atender locais que já enfrentam a crise climática? “Porque a gente tem essa premissa de fazer a formação de professores da rede pública para atender inclusive a legislação da educação ambiental, que está colocada desde 2012, [em] que a educação ambiental precisa estar dentro da proposta curricular das escolas de educação infantil”, destaca. Ela observa ainda que, muitas vezes, a educação ambiental trabalhada nessa etapa educacional se restringe ao tópico dos resíduos e não avança para outras temáticas correspondentes à discussão do componente curricular.

Especificidades étnico-raciais e locais da cultura tradicional, como as de povos originários do Brasil que vivem em contato com a natureza — caiçaras, quilombolas e ribeirinhos, e de práticas culturais que vem se perdendo com o tempo, como a pesca artesanal e a agricultura familiar, integram a abordagem pedagógica. Em Ilhéus, inclusive, há uma turma de professoras indígenas que atuam em uma aldeia. Atender esse grupo demanda, segundo a coordenadora, “pensar alternativas de como trabalhar com as crianças nesses territórios e com essas questões culturais que atravessam a educação desde a educação infantil”.

Quando questionada sobre resultados percebidos nesses meses de realização do curso, a professora aponta duas repercussões fundamentais: atender a especificidades de grupos docentes de lugares onde o processo de formação em educação ambiental quase não chega, e incluir, de fato, a etapa da educação infantil na política pública educacional.

Ao que tudo indica, as crianças pequenas costumam ficar de fora das proposições da área, porque persiste a crença de que “[elas] não teriam como ser críticas ou tão participantes assim do processo. Mas nós entendemos, sim, que as crianças podem ser protagonistas, ser participantes, e podem também ser mobilizadas a ter uma conexão maior com a natureza desde bebês”, afirma Narjara. “E isso é importante para a construção de uma sociedade em que as pessoas entendam o processo de educação ambiental como parte do seu cotidiano”, diz. “Nossa ideia é que as crianças, mesmo as bem pequenas lá do berçário e maternal, possam estar sensibilizadas em uma reconexão com a natureza, para que possam se sentir protetoras, cuidadoras dos outros seres e também dos seres humanos”, no sentido de que “a educação ambiental é uma perspectiva de trabalhar com a vida, com a vida como um todo e numa visão sistêmica, entendendo que os ambientes estão em interlocução, imbricados na constituição desse sujeito”, completa.

 Docências (trans)formadas

Se, a princípio, a necessária política pública sugere um movimento institucional de ensino em direção à sociedade, a vivência demonstra fluxo de mão dupla amplamente (trans)formador, como diz o professor Alexandre Cougo (UFMS). Sobre sua participação no curso de aperfeiçoamento, ele relata:

(...)nasceu de um convite recebido com grande felicidade e significou uma linda (trans)formação na minha caminhada acadêmica, uma vez que até então não havia ainda trabalhado mais diretamente com professores da educação infantil, o que me levou a pensar e a buscar compreender muito mais as infâncias e as suas relações com o mundo, com os outros seres, humanos e não humanos, e também consigo mesmas. Acredito que o curso se propõe a muitas intervenções, mas eu entendo que a centralidade está neste jogo e mediação entre a criança e o planeta, sempre vislumbrando o respeito que também é autorrespeito na compreensão de que todos somos a natureza que, por tanto tempo, nos foi afastada, bloqueada, retirada. Exatamente por isso espero que o curso esteja também espraiando essa (trans)formação nas formas como nós educadores construímos os espaços pedagógicos, as mediações e as possibilidades de leituras, interpretações e esperanças para que as crianças sejam autoras de uma vida no planeta social e ambientalmente justa e equilibrada para todas as pessoas e todos os demais seres vivos.

 Acompanhe o curso de aperfeiçoamento “Educação Infantil Ambiental para justiça climática: crianças de um território, infâncias de um planeta” no Instagram pelo perfil @EducaçãoInfantilAmbiental.

 

 

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