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Após um ano da maior enchente do Estado, relembre a atuação da FURG na mitigação de impactos

Em maio de 2025, Rio Grande do Sul completa um ano desde a maior tragédia ambiental da sua história

Photograph: Hiago Reisdoerfer/Secom

Na última quinta-feira, 1º, completou um ano desde que o estado de calamidade pública foi decretado em todo o Rio Grande do Sul, em 2024. Naquele momento, marcas históricas de inundação já eram batidas e mais de 130 municípios sofriam o impacto das águas em um cenário que se agravaria ainda mais no decorrer do mês, com 184 óbitos registrados, 806 feridos e mais de 20 pessoas que, até hoje, constam como desaparecidas.

Naquela mesma quinta-feira, 1º de maio, a FURG, por meio do Comitê de Prognóstico e Avaliação de Eventos Extremos, iniciou um árduo trabalho de monitoramento detalhado que, diariamente, levou para a população das cidades à beira da Lagoa dos Patos informações precisas que fizeram a diferença na prevenção de danos e na salvaguarda da vida.

Ao todo foram publicados 24 boletins informativos, além de uma série de outros materiais como vídeos com atualizações e explicações do cenário naquele momento, lives com especialistas e também a construção de abrigos para pessoas e animais dentro do campus Carreiros.

Como tudo começou?

Dados divulgados pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul apontam que, entre o fim de abril e o início de maio de 2024, um intenso anticiclone migratório atuou sobre o Oceano Atlântico Sul, influenciando diretamente o clima na América do Sul. Esse sistema de alta pressão foi responsável por direcionar correntes de ar quente e úmido para o continente, especialmente sobre a Região Sul.

Com o fortalecimento desse anticiclone ao longo dos dias, os sistemas meteorológicos que normalmente avançariam do Sul para o norte da América do Sul acabaram estacionados sobre o território gaúcho. Além disso, o corredor de umidade vindo da Amazônia contornava o bloqueio atmosférico, favorecendo o acúmulo de umidade sobre o Estado e aumentando ainda mais as condições para a formação de instabilidades.

Durante todo o período, que durou de 30 de abril a 24 de maio, dos 497 municípios do Estado, 456 foram afetados; 78 ficaram em estado de calamidade, registrando danos que são sentidos até hoje, especialmente aqueles ocasionados em estruturas públicas como estradas e acessos rodoviários, ou, ainda, no abastecimento de água; outro impacto sentido em longo prazo foi na produção primária, com perdas significativas em várias culturas como grãos, horticultura e fruticultura, além da própria produção pecuária, que demanda longo período de recuperação.

Com o agravo da situação e a peculiaridade geográfica relacionada à planície costeira onde os municípios próximos à Lagoa dos Patos estão inseridos – região em que os campi da FURG estão situados – teve início o escoamento dos níveis de água que já atingiam cotas elevadíssimas no norte do Estado em direção ao sul, e a Universidade convocou um time de especialistas que já vinham trabalhando juntos desde a passagem de um evento extremo no sul do Rio Grande do Sul, em 2023.

O Comitê de Avaliação e Prognóstico de Eventos Extremos da FURG é composto por pesquisadores oriundos de diferentes especialidades. Com essa expertise, a instituição assumiu uma importante posição de vanguarda na produção de conhecimento e dados sobre o cenário e, diariamente, abasteceu as lideranças locais e a população com informações precisas envolvendo leituras do cenário, previsão dos níveis na Lagoa dos Patos e seu impacto sobre o terreno dos municípios.

O primeiro boletim

De acordo com o professor Éder Bayer Maier, do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI), o Coordenador do grupo, o Comitê surgiu após a passagem de ciclones tropicais em junho e julho de 2023, que causou, além de danos à infraestrutura local, blackouts significativos que duraram dias. “Com isso se deu a necessidade de movimentar recursos humanos especializados para apoiar a reitoria na decisão de cancelar as aulas e, também, para poder avaliar o potencial destruidor daqueles eventos e outros semelhantes no futuro”, explica.

A ideia inicial do grupo era tão somente prestar suporte à reitoria, de forma interna. “Com a ocorrência das inundações em maio de 2024, este mesmo grupo, composto por pesquisadores de ponta nas suas áreas de atuação foi protagonista em produzir conhecimento para fora dos muros da FURG, resultando nos primeiros boletins. Entre eles destacam-se alguns nomes como o ex-pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação, Eduardo Secchi, o ex-diretor de Pesquisa, Leandro Bugoni, a professora Elisa Fernandes, o professor Glauber Gonçalves, tudo isso com o acompanhamento direto do então reitor Danilo Giroldo e da Secretaria de Comunicação (Secom), com todo o suporte dos demais membros do grupo, que atuavam diretamente e intensivamente em seus laboratórios”, completa Éder.

Para o então pró-reitor Eduardo Secchi, a situação aconteceu em um desenlace caótico, pois além de se apresentar como um grande desafio – e uma grande responsabilidade – o cenário demandava urgência.

“Nós recebíamos uma enxurrada de ligações telefônicas, dada a grande ansiedade da população frente à magnitude daquelas enchentes e seus impactos já vistos e sentidos. Naquele momento o comitê tinha que tomar decisões rápidas e acertadas, qualquer erro aumentaria o risco para as pessoas e para o seu patrimônio material. As informações geradas pelo comitê de eventos extremos da FURG, em colaboração com a Secom, foram sintetizadas e disponibilizadas para a comunidade em forma de boletins”, relembra o professor.

O primeiro boletim foi divulgado após as 22h do dia 3 de maio de 2024, e nele o grupo teceu comentários técnicos sobre o Evento, sendo um deles o ineditismo do fenômeno, o que tornava mais difícil a compreensão sobre os possíveis impactos, uma vez que não existiam parâmetros ambientais conhecidos para referência. Outro fator elencado pela equipe na oportunidade foi a falta de sistemas observacionais complexos e diversos o suficiente para permitir que os modelos avançados de previsão pudessem oferecer leituras dinâmicas e precisas.

“Num momento de crise e grande incerteza, conseguimos transformar o conhecimento técnico e científico produzido na Universidade em informações acessíveis e aplicáveis, que auxiliaram na tomada de decisão e na proteção de vidas pelas forças de segurança e Defesa Civil da região. Mais do que interpretar dados, nosso papel enquanto instituição foi traduzir esses dados em orientações claras, contribuindo para a organização das ações de resposta e mitigação. Esse trabalho reforça a importância da ciência pública e do conhecimento acadêmico quando colocados a serviço das demandas reais da sociedade, mostrando que a FURG tem um papel essencial não apenas na produção, mas também na aplicação do saber em situações críticas”, explica a professora do Instituto de Oceanografia e uma das lideranças do Comitê, Elisa Fernandes.

Além de divulgar uma série de informações sobre a sistema hídrico do município do Rio Grande, o documento também previa em quantos dias o volume de água vindo do rio Guaíba seria sentido nos municípios à beira da Lagoa dos Patos, leitura que acabou se provando apurada.

Essa antecipação foi crucial para que a população pudesse se preparar para a chegada do Evento, o que impactou diretamente na mitigação de danos ao patrimônio privado, público e à própria vida.

Ao longo de cerca de 45 dias, foram gerados 24 boletins que descreviam a dinâmica da inundação da Região Sul da Lagoa dos Patos e sua influência nos quatro municípios: Rio Grande, Pelotas São José do Norte e São Lourenço do Sul. Nesses documentos, eram gerados mapas informativos acerca dos níveis de inundação com uma enorme precisão, conseguindo precisar esses indicadores por áreas como os bairros das cidades de Rio Grande e São José do Norte. Esses boletins também eram acompanhados de vídeos explicativos, divulgados nas redes sociais da Universidade, para ajudar a comunidade a interpretar aquelas informações científicas com uma linguagem mais simples.

Um dos pontos de virada do trabalho do grupo foi quando a equipe, por meio de um modelo tridimensional aliado à base de dados histórica sobre o terreno da região pode aumentar a precisão dos prognósticos e traçar informações como a altura do nível da Lagoa dos Patos e sua projeção nas ruas da cidade. Isso possibilitou o desenvolvimento de um modelo de inundação que, e esta combinação de ferramentas de última geração não só foram fundamentais para a tomada de decisões urgentes, mas também contribuíram diretamente no combate às informações falsas que eram divulgadas no período.

É estimado que mais de 2 milhões de pessoas tenham sido afetadas de alguma forma, e, segundo dados do Governo do Estado, cerca de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas.

Abrigos na FURG

Na noite do dia 16 de maio de 2024, a Prefeitura Municipal do Rio Grande repassou à FURG a responsabilidade da triagem de desalojados e desabrigados no município. A ação, que naquele momento se concentrou no Cidec-sul, deu início a uma série de ações extensionistas que culminaram com a montagem de abrigos na Universidade, tanto para pessoas quanto para animais. Até o dia seguinte, a FURG já havia abrigado cerca de 50 pessoas, 13 cães e cinco gatos com seus respectivos tutores.

Os alojamentos foram montados no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) e no Pavilhão 4, com ambientes separados para homens e mulheres. No Centro de Tecnologia Costeira e Oceânica (Centeco), foram montadas diversas baias para abrigar cães e gatos. Ao todo, a Universidade contou com mais de 600 voluntários distribuídos entre triagem de donativos, estoque, cadastro de desalojados, atendimento de saúde e rouparia.

“Quando a FURG lança a notícia que convidava extensionistas para atuarem em prol da comunidade em função das enchentes, eu e meu marido, que também é servidor na Universidade, nos colocamos à disposição prontamente, inclusive fomos com as nossas, para pensar como que poderíamos auxiliar a comunidade”, aponta Bruna Nornberg, que veio a ser coordenadora do grupo de triagem na ocasião.

O convite aos extensionistas da FURG culminou em uma reunião, realizada no auditório das pró-reitorias, e contou com a presença de mais de 80 extensionistas da Universidade. Naquela oportunidade, muitos servidores se voluntariaram para prestar suporte em ações de recebimento de doações e de desabrigados, organizando-se em grupos de atuação.

“Mas sabíamos que seria necessário fazer mais, e, eventualmente, nos tornamos a sede de um importante abrigo, além de um posto de triagem. Eu sempre brincava ao dizer que cheguei naquele momento pensando em fazer yoga com as crianças; levar jogos interativos para brincar com elas nos abrigos. E de repente a gente foi organizar uma grande operação que transformou os espaços das FURG e a vida de muitas pessoas. Essa foi, com certeza, uma das maiores experiências da minha vida. Eu nunca vou esquecer o que eu vivi, porque foi transformador”, compartilha Bruna.

Ainda segundo Bruna, um dos grandes desafios foi o fator de ineditismo da situação. “Foi a primeira vez para todos que estavam ali em pensar como seria a montagem de um abrigo, as divisões dos quartos, como os organizar para que as pessoas se sentissem seguras e acolhidas dentro da Universidade, e sempre respeitando a filosofia da FURG sobre inclusão, acessibilidade e ações afirmativas. Isso se traduz na forma com que estruturamos essa organização, pois levamos em conta aspectos como a segurança do público LGBTQIAP+ e na segurança das mulheres que, porventura, são vítimas de violência”, completa.

Com 12 voluntários por turno e uma série de ações de arrecadação e doação de mantimentos e roupas, a FURG recebeu mais de 70 pessoas nos seus abrigos e ajudou indiretamente incontáveis famílias por meio do centro de triagem e suporte às ações da Prefeitura.

 

 

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Hiago Reisdoerfer/Secom