LITERATURA

Cinco coisas sobre escrita criativa que ouvimos de Alejandro Palomas

Escritor espanhol participou de duas atividades literárias na 47ª Feira do Livro da FURG

Photograph: Hiago Reisdoerfer/Secom

O público que prestigiou a oficina de escrita criativa “El miedo, la escritura y la voz”, no dia 31 de janeiro, e o Papo Literário em comemoração aos 25 anos do curso de Espanhol da FURG, no último dia 2, teve a oportunidade de conhecer Alejandro Palomas, ouvir de sua vivência artística e aprender sobre escrita criativa. Destacamos cinco momentos da passagem do escritor espanhol na 47ª Feira do Livro da FURG.

 

  1. De fuga da realidade a experiência mística, escrever é busca.

 

Eu comecei a escrever, a contar e a ler para fugir da realidade. Eu buscava vidas e respostas a perguntas que eu nem sequer sabia fazer, isso me levava a ler livros. Em minha casa não tinha livros de literatura infantojuvenil, nessa época também praticamente não havia livros de literatura infantojuvenil na Espanha. De forma que passei a ler livros adultos desde muito pequeno. O que me ajudou muito, porque havia mundos que eu não entendia, mas que existiam. Havia realidades que eu não entendia e que existiam. Como passava com a minha própria realidade. E isso me ajudava a entender que eu não estava louco. A maior parte das pessoas não entende a realidade que vive. Isso eu aprendi muito pequeno e me deu muito alívio.

 

Sigo tentando entender o porquê. E minha forma de tentar entender o porquê é através da escrita. Há momentos quando escrevo em que estou conectado a algo que não está aqui, e sinto que estou perto de descobrir o porquê. E é curioso porque nesses momentos é o que eu sinto ser o mais próximo do ser religioso. É como se estivesse em contato com algo que não está aqui e que te dá uma energia, que te dá fé, que vais chegar a algo porque estás atento a algo, e só tens que estar atento a isso e esperar, porque vai chegar o momento em que vais encontrar.

 

 

  1. O processo criativo do escritor é absolutamente singular. O de Alejandro Palomas é como uma partida final de tênis.

 

Eu não sei escrever com os olhos abertos. Porque quando comecei a contar, sempre contava e criava as histórias com os olhos fechados. E agora não sei escrever com os olhos abertos. Por isso escrevo dessa forma tão visual. E quando escrevo, vejo, vejo como as imagens vão passando. Nunca vejo as palavras ou imagino palavras, vejo imagem.

 

Sou muito louco para trabalhar. Há escritores que trabalham quatro horas ao dia e depois têm uma vida. Eu levo, normalmente, para escrever um romance, quatro meses. É o tempo mais longo que levei para escrever um romance. Porque escrevo 24 horas: eu levanto, sento, escrevo; descanso, vou passear com os cachorros, volto, escrevo; almoço, escrevo; vou praticar esporte, volto, escrevo; leio, escrevo; vou para a cama, tento dormir, não consigo, escrevo. E assim vão muitos dias seguidos, porque estou metido em um túnel de que me dá muito medo sair, porque penso, se esta imensidão se apaga não vou recuperá-la. Então, minha rotina é escrever, escrever, escrever, escrever. E estar muito sozinho – que ninguém me interrompa, sem telefone, sem relação com ninguém, muito silêncio. E muita solidão, essa é minha vida em geral. Minha rotina é intensidade, sou muito intenso. É como se tivesse que ganhar um campeonato. Fico como Nadal quando joga uma partida e está completamente metido no jogo, não está atento a mais nada, está milimetricamente focado no jogo; isso sou eu.

 

 

  1. Escrever é necessidade.

 

Isso é como quando vejo um menino pequeno, de uns dois ou três anos, que começa a desenhar. Coisas que eu jamais seria capaz de desenhar. Há uma tendência à expressão através do desenho. Há uma tendência à expressão com o mundo através da palavra. Há outros que têm a música, outros que tem a mecânica. Outros, o olhar, a perspectiva. Cada um se expressa por uma via muito específica. Se não tens isso, não vais escrever. Porque não vai te servir para nada. A escrita é expressão, é uma forma de te projetar no mundo, é uma necessidade. E nem todo mundo tem esse dom.

 

 

  1. A escrita de ficção não é para qualquer um. A verdade, sim.

 

Quando dou uma aula, a primeira coisa que digo é: nem todos estão aqui acertadamente, alguns estão perdendo tempo, porque não é essa sua via de expressão. Em quase todos os cursos encontro uma pessoa. Uma. Mas a vejo no primeiro dia, enquanto a escuto falar. E a seguir não me equivoco. É a forma de olhar, a forma de... há uma dupla forma na maneira de olhar e de esconder-se, há algo que olho e sei que é isso, reconheço em seguida. Há algo genético. Há uma parte genética que eu reconheço, não sei o porquê. Porque faço os típicos cursos acadêmicos. Não gosto do acadêmico. Não gosto nunca do acadêmico. Acredito que escrever não se aprende. Pode-se alimentar, fomentar, fazer muitas coisas, mas ensinar a escrever, não acredito que seja possível. Ninguém me ensinou a escrever, me ensinaram a ser de verdade. Isso, sim, me ensinaram. A escrever, não.

 

  1. Que o escritor não tenha medo de conhecer a própria voz.

 

Em toda a América Latina, exceto no Brasil porque aqui não dei o curso, ninguém sabe que voz tem. As pessoas não sabem que vozes têm. Acreditamos que conhecemos nossas vozes, é mentira. Eu pergunto sempre: conheces a tua voz? Há um tempo de dúvida. Em seguida pergunto se gostam de suas vozes. Não gostam. E é muito difícil trabalhar e criar com uma voz de que não se gosta.

 

Na hora de começar a contar uma história, se as interferências terminam, temos muito medo da nossa própria voz. Todos escrevem a partir da mesma cápsula, o coração, não a cabeça. Muitos escritores e escolas vão ter a teoria, a base fácil, de que escrevemos com a cabeça. Não escrevemos com a cabeça, usamos a cabeça. E se isso, o coração, é desconhecido, não escrevemos nada que tenha sentido, não vamos projetar nada que estejamos preparados para compreender.

 

Dominar o silêncio é o mais difícil da literatura. Não escreves sobre uma página em branco, escreves sobre o silêncio.

 

A 47ª Feira do Livro da FURG termina no domingo, 9. Acesse a programação completa.

 

 

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Hiago Reisdoerfer/Secom