Porto Alegre tem conseguido conter o avanço agressivo da Covid-19. A notícia, positiva no cenário da pandemia, é resultado de mais um relatório produzido pelo PampaNerds, grupo composto por pesquisadores gaúchos que projeta o avanço da pandemia no Estado a partir da modelagem computacional.
Integram o grupo o secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia do Estado, Luís Lamb, que é cientista da computação. Também da área da Computação, o professor Marcelo Pias, da FURG, os pesquisadores Jorge Audy, da PUCRS, Rodrigo Guerra, da UFSM e Ricardo Araújo, da UFPel. Ainda fazem parte da equipe o economista Ely Mattos, professor da PUCRS, e o epidemiologista Fernando Hartwig, professor da UFPel. Todos integram do Comitê Científico estadual para enfrentamento à Covid-19.
Cenário específico da capital
Para compreender como tem sido a transmissão do vírus em Porto Alegre, o grupo utilizou a mesma metodologia de modelagem computacional do primeiro relatório, que foi chamada de PampaNerds SEIR. Com mais de 3 milhões de simulações, os pesquisadores conseguiram chegar em um resultado computacional que corresponde aos dados do coronavírus para a capital.
O número que indica a quantia de novas pessoas que cada indivíduo pode infectar, chamado de “número básico de reprodução”, está abaixo de 1 em Porto Alegre. Isso significa que há desaceleração no contágio da Covid-19. “Esta variável é muito importante porque nos indica para quantas outras pessoas uma pessoa infectada pode transmitir o vírus, em média. Se o R for igual a dois, significa que uma pessoa infectada pode infectar outras duas pessoas, em média. Se o valor de R for menor que 1, dizemos que a epidemia está sob controle. Se o valor for maior que 1, dizemos que o vírus está circulando, e a epidemia está em aceleração. A aceleração pode ser baixa ou alta dependendo de quão maior o valor do R é”, explica o professor Marcelo Pias.
Rodrigo Guerra, professor da UFSM, complementa: “Se o R for 1, quer dizer que se eu tenho 500 pessoas doentes no estado ao mesmo tempo, essas 500 infecções vão gerar 500 outras infecções. O número nunca aumenta, se mantém”, o que é positivo num cenário de crescimento exponencial da doença, como tem se visto não só no Brasil, mas em diversos países durante esta crise.
Por isso os pesquisadores concluem que “os porto-alegrenses têm demonstrado capacidade de colaborar na mitigação do avanço da doença”. No Estado, o primeiro relatório do grupo apontou um valor médio de 1,58 para esta variável, o que demonstra que a situação em Porto Alegre está melhor do que a média estadual, em que a transmissão ainda é ascendente.
O que Porto Alegre tem feito de diferente? Para os pesquisadores, é difícil responder. “O que eu tenho certeza é que o distanciamento social é a forma mais efetiva que a gente tem de combater o vírus. E outra coisa que eu posso dizer com razoável certeza é que o uso de máscaras vai ajudar muito, inclusive o uso da máscara de pano”, afirma Guerra.
Marcelo Pias pondera que o período dos dados analisados é anterior à metodologia de distanciamento controlado adotada pelo estado. Os dados foram coletados entre 4 de abril e 10 de maio. “Com isso, observaremos para Porto Alegre e também para os demais municípios, o impacto de medidas de restrição ou relaxamento no isolamento”, diz.
A desaceleração no contágio aponta, na projeção, para uma redução também na ocupação dos leitos de UTI, porém, não é isso que os dados reais das internações indicam. A ocupação de leitos segue elevada e a hipótese dos pesquisadores é que os dados reflitam a internação, na capital, de pacientes advindos da região metropolitana e do interior do Estado.
A íntegra do relatório pode ser acessada no site do PampaNerds.
Atuação em rede
Ferramentas para conversas e reuniões digitais e a possibilidade de armazenamento de dados em nuvem são tecnologias que favorecem o trabalho a distância e facilitam a conformação de redes de pesquisadores. “As universidades gaúchas, neste momento, juntam-se na forma de colaboração em rede para explorar os seus talentos locais”, avalia Pias. No PampaNerds, a união de pesquisadores de diferentes regiões do Estado tem contribuído para “superar as barreiras geográficas dos municípios no contágio”, explica.
O trabalho com modelagem computacional, que reúne cientistas da computação, engenheiros, epidemiologista e também economista, permite uma aproximação do que está acontecendo através de modelos computacionais, explica Guerra. “A modelagem computacional captura uma versão do fenômeno e nos permite examiná-lo dentro do computador, num ambiente controlado”, diz. Com uma soma de esforços entre diferentes áreas do conhecimento (“A pandemia criou uma demanda por um tipo de profissional muito raro”, avalia Guerra), é possível projetar o futuro dentro de diferentes cenários. “Qual é sensibilidade da pandemia à abertura das escolas? A influência do uso das máscaras? As vantagens de fechar determinado setor econômico? São todas perguntas difíceis de responder, mas o modelo matemático nos dá uma ferramenta para apoio nesta tomada de decisões”, argumenta o professor da UFSM. “A gente consegue trazer a pandemia para dentro de uma simulação no computador. O modelo tem limites, mas nos ajuda a ver como, lá na frente, a pandemia varia se a gente mexer em diferentes parâmetros”.