48ª FEIRA DO LIVRO

Patrono Sérgio Carvalho Pereira: "o que nos aproximará nesta feira será o olhar dos que se reconhecem pelos sonhos, na comunhão da cultura e da arte"

Homenageado desta edição fala sobre sua ligação com a FURG, a música e a paisagem pampa sul-americana

Após dois anos, a Praça Didio Duhá, no balneário Cassino, voltará a receber a tradicional Feira do Livro da FURG. Em sua 48ª edição, o evento deste ano tem como tema “Miradas de um Pampa Sul-americano” e como patrono o poeta, fotógrafo, radialista, cirurgião dentista e autor de dois livros, Sérgio Carvalho Pereira.

A Secretaria de Comunicação (Secom) da FURG conversou com o patrono sobre sua relação com a FURG, sua diversificada atuação profissional e também sua ligação com a música e a poesia e o que espera do reencontro da Feira com a comunidade. Confira.

Poeta, fotógrafo, radialista, cirurgião dentista e agora patrono da 48ª Feira do Livro. Como o jovem escritor lá de Pedro Osório está presente nestas atuações tão distintas?

Olha, dessas quatro atividades, às quais me dedico em maior ou menor intensidade, a mais antiga delas na minha vida é a poesia. Ela me acompanha desde os tempos de infância. Minha avó e minha mãe cantavam e recitavam poemas. Comecei a escrever versos desde muito cedo, é difícil precisar, mas eu não tinha ainda 13 anos quando mostrei a parentes e amigos meu primeiro poema.

A fotografia veio logo depois, como jovem estudante, vivendo entre Rio Grande e Cacequi. Inicialmente para registros familiares, de viagens e comemorações. Depois, na faculdade, veio a foto para documentação científica, relacionada ao registro de casos clínicos, no exercício da pesquisa e arquivo em odontologia.

Quando fotografei com sentido artístico, foi para participação em concursos fotográficos, para a produção de capas de livros e discos e para exposições. Em 2005 lancei o livro Sul- poesia e ensaio fotográfico, e para ele produzi um ensaio de 40 fotos. Ele gerou uma exposição apresentada em mais de dez cidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

A atividade de radialista surgiu mais recentemente, quando tive o convite para produzir um programa de rádio para a FURG. Foi a partir desse momento, em 2010, que criei e fiz a locução do Programa Continente Pampa (FURG FM). Realizei-o por 5 anos, como colaborador da emissora e foi neste tempo que empreendi também o curso de formação para radialista.

Eu considero essas atividades todas muito complementares, elas me encantaram algum dia e, a seu tempo, fui atraído por conhecê-las e por expressar-me em seus amplos campos de possibilidades.

Eu diria ainda que a poesia me carregou até outro campo maravilhoso que é a música. Não sou músico, mas me tornei compositor de canções, primeiramente por trabalhar com a palavra em sua potencialidade rítmica e melódica; geralmente componho com uma caneta e um violão, e, sobretudo, porque me aproximei de melodistas e instrumentistas, de espetáculos e produções neste campo da arte.

O que te encanta e motiva na paisagem e música pampeana?

A paisagem é um dos pilares da música, da literatura e das demais expressões de arte relacionadas à nossa região cultural, a pampa sul-americana. Encanta-me quando a música terruña do Sul compõe em sons, andamento e ritmo essa paisagem.

Estou sempre atento, no trabalho que realizo como compositor de canções, para que o silêncio seja respeitado, na melodia e no próprio poema. O território pampeano é, em sua maior extensão, composto de planuras, horizontes largos e circulares, distâncias e soledades. Não há como ser um criador, poeta, melodista ou intérprete deste universo e não trabalhar com o silêncio profundo desta geografia pampa, como elemento chave, representativo deste mundo.

Tua imagem e atuação artística e profissional estão estreitamente ligadas à FURG. Qual a importância de representares a comunidade neste contexto?

Essa pergunta me possibilita contar um pouco da minha ligação com nossa universidade. Fiz minha formação superior em outra universidade pública e depois voltei para Rio Grande. Aqui, meu pai era professor da FURG e meu único irmão foi técnico administrativo por mais de 30 anos. Mais tarde, conheci uma aluna do curso de Letras, hoje professora de Literatura da FURG, minha companheira. E agora, nesta semana, meu único filho, com 17 anos, iniciou sua vida universitária como aluno do curso de Química da FURG.

Como sou egresso de uma universidade pública, como já falei, participei nos tempos de aluno de graduação e na continuidade da minha formação, na extensão universitária vinculada às áreas de saúde. Ganhei muito integrando-me a esses projetos. Reconheço profundamente a importância, para uma comunidade, da presença de uma universidade atuante e próxima, em todas as esferas onde possa colaborar para o desenvolvimento desta comunidade. Compreendo ainda que, na outra via, a comunidade muito tem a contribuir à universidade e assim, como uma retroalimentação, impactar também a instituição universitária.

Quando vim para Rio Grande, pelos laços afetivos que tenho com a FURG e por essa compreensão, de que a universidade e sua comunidade devem caminhar juntas e muito próximas, apresentei-me como colaborador em projetos nas áreas em que pude integrar-me.

Esta compreensão teórica e prática foi materializada em várias ocasiões e muito marcadamente quando realizei por cinco anos, como colaborador para a FURGFM, o programa de cultura sonora do Sul Continente Pampa. Posso assegurar que, embora todo o empenho e dedicação que este projeto tenha exigido, o aprendizado e crescimento que tive ao realizá-lo foram muito mais significativos e marcantes para mim. Eu costumo dizer que, com muito orgulho, também faço parte de um dos segmentos da FURG, o segmento comunitário.

Diante do acesso fácil a obras do mundo inteiro, como apresentar e incentivar a literatura regional aos jovens leitores?

Eu sou, como se diz no mundo da poesia do Sul, um cantador. Sou um poeta de aldeia. Faço versos que são marcados pela geografia, pelo território, pela mítica do Sul. Não é necessário, ao leitor, ler mais que uma estrofe do que escrevo para perceber a que mundo meu poema remete. Isso é bem claro na obra de quem cria a partir de uma região e retroalimenta uma cultura pelo tempo.

Dou um exemplo na área da música: não são necessários mais de três acordes do violão de Paco de Lucia para sabermos que estamos imersos nas vozes do flamenco, não são necessários mais de três acordes do bandoneon de Astor Piazzolla para sabermos que o mundo do Rio da Prata está presente nesta sonoridade e certamente não haverá necessidade de mais de três acordes do violão Ovation de Bob Dylan para saber-se caminhando pelo folk norte-americano.

Mas é inegável que todos eles têm passaporte para andar muito longe no mundo da arte. Com os escritores, poetas, que trabalham regiões culturais, pode e deve ocorrer o mesmo.

Eu diria que toda obra parte de um lugar e, de forma mais intensa ou menos intensa, este lugar tem decisiva importância na sua criação, na sua força de estabelecer-se, nas conexões com as criações impulsionadas a partir de outras regiões.

Os novos leitores, os jovens, serão despertados para a literatura se ela for boa.

Olhando em especial a literatura regional, o que ela não pode perder são os contatos com o todo, com o que está acontecendo pelo mundo. Fechar-se em temáticas e realidades provincianas, como forma de defender o purismo da arte de um lugar é uma armadilha asfixiante. Pode funcionar por um tempo, mas, a médio prazo, nota-se a falta de oxigênio criativo. E é essa necessidade de respirar que impulsiona os próprios criadores, os artistas, a buscarem o ar revigorante das amplidões. Eu sei e reconheço, e como reconheço! Nossa literatura do Sul é linda, é ampla, é significativa! Mas representa apenas uma prateleira na enorme biblioteca que hoje se abre e se oferta.

Agora, sempre acreditei que é muito mais fácil e atraente entrar nesta sala de leituras levado pela mão das obras e dos escritores que trabalham ao teu lado. Ali estão as gentes, a paisagem, as referências de um mundo íntimo. Acredito que estes pontos são encorajadores para quem inicia um caminho cujo destino, fatalmente, em breve, é se perder.

A proposta desta feira, seu tema “Miradas de um Pampa Sul-americano” é um convite a todos, mas muito especialmente aos jovens. Uma proposta para conhecer seu território, sua geografia física e humana, sua arte, enfim, um portal de entrada pelas obras dos criadores do Sul.

Como está tua expectativa para essa edição da Feira, que será marcada pelo reencontro?

Eu recordo agora uma canção. Uma milonga que cantava Atahualpa Yupanqui, um artista argentino que é referência para nós, os compositores do pampa. Essa milonga chama-se Los Hermanos e nela existem versos muito apropriados para apoiar a minha resposta. A estrofe diz que os irmãos que comungam de um mesmo ideal poderão se dispersar, poderão se espalhar, se perder pelo mundo. Mas, que um dia se reencontrarão e mesmo que o tempo lhes tenha mudado a fisionomia, a aparência, eles voltarão a se reconhecer. E isso se dará pelo olhar e pelos poemas que um dia cantaram juntos.

Acho que este olhar, o que nos aproximará nesta feira, será o olhar dos que se reconhecem pelos sonhos, na comunhão da cultura e da arte. Creio que essas miradas estarão carregadas da esperança comum em tempos melhores, de solidariedade e de apoio mútuo. Assim, uma milonga dos campos do Sul poderá ser o canto comum, reconhecido como o cantar de muitos. Cantar daqueles que na planície litorânea, margem estreita de pampa, se reencontraram sob os plátanos de uma praça sonhando construir um tempo melhor.