Mulheres na FURG

Lugar de mulher é na robótica

Robótica 2019 inspira reflexão sobre representatividade e igualdade de gênero na área.

Foto: Andréia Pires/Secom

“Já fiz um robô na minha escola, mas era de lego, não se mexia como esses daqui”, compara Manuela de Bem, 5 anos, enquanto observa a preparação dos robôs humanóides na arena. A menina veio ao Robótica na última quarta-feira, 23, acompanhada do pai, Rodrigo de Bem, professor do C3 da FURG. Ela assiste integrantes da equipe Rinobot Team trabalharem, um menino e duas meninas empenhados em resolver uma questão com um robô e um notebook. É cedo para que Manuela compreenda a relevância do que vê: representatividade feminina. Mulheres atuando em um cenário em que tradicionalmente cabe aos homens performar, o universo da tecnologia.

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Não demora, mais duas meninas se somam ao grupo. Uma delas faz parte das mulheres que estão mudando as estatísticas sobre a atuação feminina em posição de gestão. Rayssa Soares de Oliveira é capitã da Rinobot, a premiada equipe da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais. Começou na parte de programação, da movimentação e controle de robôs humanóides, e hoje lidera uma equipe de aproximadamente 80 pessoas, das quais cerca de 15, apenas, são mulheres. Os integrantes, na maioria, são graduandos e pós-graduandos de engenharia elétrica, com ênfase em robótica e automação industrial.

Rayssa é responsável por processos gerenciais e pela relação externa, com a universidade, com patrocinador, a questão logística e a financeira. “Tenho um pouco de noção de tudo”, resume. A experiência de liderança, “é um senhor diferencial para mim no mercado de trabalho, e é algo que eu quero continuar a seguir. Gosto muito de robótica, mas a parte de gestão me atrai muito mais. Era um desejo que eu tinha desde que entrei na equipe e no fim do ano passado eu me assumi”, fala a capitã, que reserva ao futuro a vontade de ser professora, quando tiver estabilidade financeira. Até lá, “gostaria de trabalhar em empresa, não necessariamente minha, mas em algum cargo de liderança”.

Evolução

Sobre a desigualdade de gênero no meio acadêmico e da robótica, Rayssa percebe que colegas homens em posição de gestão têm mais facilidades. “O tratamento em si é diferente, as pessoas vêem com mais seriedade o trabalho do homem. Eu passo por isso diariamente, mas não é uma coisa que me abala, não. Eu acho que sou competente o suficiente e se eu não for eu consigo me capacitar para ser competente o suficiente e estar no mesmo nível ou acima do pessoal”, diz.

O número de mulheres participando de eventos da área tem aumentado. “Em 2017 não tinha a quantidade de mulheres que hoje tem aí dentro [do Cidec, nas competições]”, analisa. Segundo a capitã, a Rinobot é a equipe que tem maior número de mulheres no Robótica 2019. A diferença entre homens e mulheres no meio “diminuiu bastante, mas a gente ainda sofre um preconceito do tipo ‘robô é só para homem’ ou quando procuram o capitão da equipe e sou eu. Ainda tem um certo preconceito, mas as pessoas têm aceitado um pouco mais. A evolução é constante”, fala.

Segundo Danúbia Espíndola, coordenadora de comunicação do Robótica 2019 e professora do Centro de Ciências Computacionais (C3) da FURG, embora as mulheres estejam se aproximando mais das áreas de robótica e automação, ainda predominam significativamente a participação de homens nas competições, nos cursos e mesmos nas lideranças dessas áreas. “Isto, para mim, é resultado de diversas variáveis, entre elas, a não disseminação destes conhecimentos desde o ensino fundamental principalmente nas escolas públicas. Penso que a universidade pode atuar junto às escolas públicas para mudar esta realidade, e está caminhando para isso. Por outro lado, a área de robótica e automação ainda é muito incipiente no que tange as demandas nacionais e internacionais, e ter uma mulher da FURG na coordenação geral de um evento deste porte, referência internacional na área, mostrou que as mulheres tem, sim, total capacidade de atuar e liderar também nestas áreas", reflete.

Para Sílvia Botelho, coordenadora geral do Robótica 2019, a presença feminina no meio amplia e qualifica o desenvolvimento da robótica, uma área genuinamente multidisciplinar. “Conceber e desenvolver sistemas autônomos com características inteligentes envolve a computação, a eletrônica, a mecânica, a psicologia, a filosofia, antropologia”, entre outras áreas do conhecimento, e a necessária abertura para “pensamentos divergentes, que colaboram para o progresso da área e sua sinérgica e real integração com a sociedade. Os processos criativos, os insights, a capacidade de percepção e atuação transversal e multimodal, próprias da cognição feminina, podem ser o diferencial que falta para termos robôs cada vez mais autônomos e integrados ao ecossistema”, pondera. As mulheres vêm ocupando cada vez mais espaços no mundo da robótica. “As coisas estão evoluindo”, diz Silvia, que será a palestrante principal do Simpósio Brasileiro em Automação Inteligente (SBAI 2019) nesta quarta-feira, 30, em Ouro Preto, Minas Gerais.

Acesso, igualdade e desenvolvimento social através da educação para a tecnologia

O fato de crianças – e público em geral – terem amplo acesso a um evento do porte do Robótica 2019, dentro de uma universidade como a FURG e situada na região do extremo sul do Brasil indica avanço importante em termos de difusão de conhecimentos. A robótica pode ser combustível de desenvolvimento social a partir da educação, priorizando igualdade de oportunidades para meninos e meninas, como demonstra a experiência da professora Maria Aparecida de Faria da Silva, a Cida, coordenadora pedagógica do Núcleo de Robótica (Nero) da Secretaria de Educação de Vila Velha, do Espírito Santo.

A professora conta que a robótica educacional iniciou em 2016 na rede municipal de sua cidade e vem crescendo ano a ano, alcançando cada vez mais professores, com formação continuada específica, e estudantes, com oportunidades até o momento imensuráveis. “Ainda estou me descobrindo na robótica. Comecei a aprender junto com toda a equipe, quando o trabalho do núcleo começou. E me encanto com as possibilidades de aprendizado para o aluno e também vi as possibilidades de aprendizado para mim. E aí me reencontro no prazer de ser professora. Porque estou vendo aluno com interesse, oferecendo resposta nas aulas regulares”, constata.

Segundo Cida, estudantes e professores estão se desenvolvendo juntos e a relação com alunos da educação especial também melhorou. “A robótica para nós lá está sendo inovadora em todo o processo. Quando a gente fala educacional, está abrangendo todos os apêndices da educação, a gente está oferecendo condições para o desenvolvimento deles [dos estudantes] no todo. Um desenvolvimento de respeito, empatia, colaboração e autonomia. E eu falo da minha prática, eu vi isso acontecer”, diz.

No total, atualmente 14 escolas de Vila Velha são atendidas pelo projeto de robótica educacional. A meta é chegar a 30 escolas em 2020. Nas instituições contempladas, a robótica funciona no contraturno, com turmas de até 15 estudantes. “Do rural ao urbano, da beira de chão à beira de praia, a proposta da prefeitura é ampliar para todo o ensino fundamental”, explica a professora.

Cida cuida da parte pedagógica para a formação dos professores e da metodologia de ensino da robótica para os alunos. Ela veio até Rio Grande acompanhar 26 estudantes das oito equipes que participaram do Robótica 2019. Dessas, duas equipes são formadas exclusivamente por meninas e ganharam bolsa do CNPq no ano passado. Cálculo de IMC e recomendações nutricionais, semáforo inteligente, sistema automatizado para o reuso de água e uso de energia elétrica em escola pública, trena inteligente, alternativa para redução do lixo nos oceanos e robô para auxiliar na coleta seletiva foram alguns dos projetos que as equipes de Vila Velha apresentaram no evento.

No grupo do Espírito Santo as meninas são maioria e o sentido de cooperação predomina. “No nosso universo, meninos e meninas estão se aliando bem. Não temos conflitos [de gênero] ainda. O que tenho percebido é que estamos conseguindo influenciar um pensamento sobre futuro, já temos meninos e meninas no oitavo e nono ano pensando carreira. Eles estão vivendo a universidade hoje e já estão pensando ‘eu quero trabalhar com isso’, é uma nova perspectiva. Essas escolas, com a robótica, estão oferecendo outros caminhos”, considera a professora. 

 

Galeria

Equipe realiza ajustes no robô durante o Robótica 2019

Foto: Andréia Pires/Secom