Elas na feira - histórias de mulheres: Aimée Bolaños

“As histórias são importantes. Muitas histórias são importantes”, disse Chimamanda Adichie, na conferência O perigo da história única, no TEDGlobal 2009. Inspirada pela escritora nigeriana e em sintonia com o tema escolhido pela 45ª Feira do Livro da FURG – histórias de mulheres, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da universidade apresenta o projeto Elas na feira, iniciativa que mostra relatos de (sobre)vivências femininas. Com uma câmera fotográfica e um gravador, captamos universos e o estar no mundo feminino pelas vozes de mulheres que passam pelo evento. O resultado é esta série de perfis singulares, que pode ser acompanhada aqui.

Aimée Bolaños - patrona da 45ª Feira do Livro da FURG

Minha infância foi uma infância conturbada, difícil, complicada. Eu cresci no meio de um processo revolucionário. A revolução triunfou quando eu tinha 15 anos. Então, minha família estava envolvida na luta e foram anos muito difíceis. Anos gloriosos, porque foi uma revolução triunfante, mas também encaramos morte, tortura, assim, foi uma história muito... muito complicada, uma história muito dura, que nos tocava muito de perto. Não era uma história que estava acontecendo lá, no mundo. Não. Era uma coisa que tinha que ver com a tua família.

“E tenho uma memória grata, mas não uma memória idílica”.

A cidade em que eu morava, Santa Clara, foi tomada por Che, e eu estava aí, no meio da retomada de Santa Clara, com os aviões bombardeando, com os guerrilheiros entrando. Foram emoções muito grandes, que me marcaram profundamente. E também a leitura. Paralelamente a isso sempre lia, a leitura me acompanhou sempre. E tenho uma memória grata, mas não uma memória idílica. É uma memória conturbada. Eu acho que essa é a palavra exata de contradição, de conflito, de conflitos que aconteciam no espaço da família, mas que acontecia também no espaço social, da história, estávamos vivendo uma transformação sem precedentes para nós e que tem, teve, uma repercussão na América Latina muito grande, uma referência na história contemporânea, a Revolução Cubana.

Eu compreendia e acompanhava o que estava acontecendo e realmente acho que foi um fenômeno de raízes populares muito profundas. Então, como no meu caso, acompanhávamos, crianças, adolescentes, jovens, idosos, todos estávamos envolvidos nesse processo que nos estava transformando e que transformava também totalmente toda a sociedade. Foi isso, a palavra revolução significa uma transformação profunda, total, completa.

“Eu penso muito hoje na morte. Não com medo, e sim com uma curiosidade muito grande, muito grande”.

Tenho medo de muita coisa, sobretudo de ter medos. Esse é o problema maior. Por exemplo, tenho que encarar um processo de envelhecimento. Isso é muito duro. É muito difícil. A velhice tem coisas maravilhosas, porque tu fica calma, a vida não demanda tanto de ti, mas também tu tem um certo sentimento de que tu poderá ficar isolada, que as coisas que aconteciam contigo já não acontecerão mais, que isso que estou fazendo hoje, talvez em cinco anos não poderá ser feito. Então, é um processo. Eu penso muito hoje na morte. Não com medo, e sim com uma curiosidade muito grande, muito grande. O que vai acontecer? Como será? A minha vida foi de muitas transformações, de muita viagem, então eu tenho uma expectativa muito grande em relação a essa última viagem. Como vai ser? Será que existirá algo além? Eu acredito que não. De repente estou tremendamente enganada.

“Eu tenho um sentido provisional da vida. Eu sou partidária, devota, apaixonada pelo Carpe Diem: para mim é hoje, é agora”

Planos? Não, nenhum. O poeta [sobre o] que eu fiz doutorado, Félix Pita Rodriguez, ele morou muitos anos na França, na época do surrealismo, morou também na América Latina, morou na Espanha, e ele sempre falava que tinha um sentido provisional da vida. Eu aprendi isso com ele, peguei para mim também. Eu tenho um sentido provisional da vida. Eu sou partidária, devota, apaixonada pelo Carpe Diem: para mim é hoje, é agora, que estou falando contigo, neste momento, nesta noite maravilhosa, é que tudo está acontecendo, que tudo tem sentido. O futuro nunca me interessou muito. O passado é uma carga muito pesada, então tento lidar com ele de uma maneira salutar; nem sempre consigo, realmente. Mas o que me apaixona é o presente. E o futuro? Como eu enxergo o futuro, Andréia, – porque de alguma maneira o futuro existe, não? Eu enxergo o futuro a partir de meus discípulos, de meus alunos, do que eles estão alcançando na vida, de tu, agora: quando penso na Andréia que conheci há, não sei, dez anos, doze anos, quinze anos, e a Andréia que agora, com uma maturidade, doutora, jornalista, está me entrevistando. Então, eu penso no futuro todas as coisas boas que vão acontecer com a Andréia, coisas maravilhosas que vão acontecer com minhas netas, tenho netas gêmeas e elas se abrirão para a vida. Esse é o futuro que eu consigo imaginar, futuro que tem a ver com criação e procriação, com vínculo, é aí que eu quero estar de alguma maneira e sei que estarei. Na memória, de alguma maneira estarei. Mas em relação a mim, esse futuro não me mobiliza, não mobiliza meu pensamento. É aqui, é agora, é o poema que estou escrevendo hoje, o livro que vou publicar agora, porque está pronto e porque eu quero com a publicação, e não estou falando de um ato de vaidade, estou falando de me comunicar, de me expressar, de ser através da poesia. Então, essas são as coisas que me motivam hoje, que me fazem uma pessoa... não feliz, porque a felicidade, eu acho, é esse pássaro azul, sabe? Que voa assim. A felicidade é só um instante, mas que me faz uma pessoa em harmonia com a vida, em harmonia com o que eu sou.

“Esse mar que nos une e que também é o mar da minha ilha originária”.

Com a cidade [minha relação] é com o mar. É através do mar. Realmente, isso me perguntaram no dia do convite [para ser patrona] e fui muito sincera. Eu não consigo ter um vínculo além de uma experiência de vida muito grata com Rio Grande cidade, cidade. Mas com o Cassino, sim, muito, muito, e com a FURG. Assim, minha identidade nesse sentido de território, eu diria que é FURG e que é cassinense e que é do mar. Esse mar que nos une e que também é o mar da minha ilha originária. Então é aí que eu me reconheço, é nesse espaço que eu sou.

“Gosto de ser outras, no que escrevo, no que faço”.

Ah, como estamos na hora das confissões, [digo que] eu gosto muito de me fantasiar. Gosto de ser outras, no que escrevo, no que faço. Acho que para tu ser, tu tem que te abrir para a alteridade que está em ti, que faz parte de ti. Está presente em tudo o que escrevo, isso está nos livros. Mas agora, nesse outro espaço, em que estamos falando, tu e eu aqui, eu gosto muito de transformar, de fluir, de não me fixar. Gosto muito de ser de maneiras diferentes e em cada uma dessas formas, em cada uma dessas maneiras, de alguma maneira renascer, me criar de novo.

Foto: Karol Avila

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